sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

2º Trabalho aprovado no ENPESS ( Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social)

SERVIÇO SOCIAL, PROJETO PROFISSIONAL E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO.
Revistas científicas da área
                          

RESUMO
Uma atuação dos assistentes sociais voltada aos interesses históricos dos trabalhadores exige segurança de princípios éticos e suporte teórico que ilumine uma análise social crítica e problematize o cotidiano da prática dos assistentes sociais na busca de referenciar e democratizar práticas mediadas pelo projeto profissional. No entanto, observa-se uma insuficiente e frágil produção de conhecimento na área de Serviço Social que aborde a profissão e o projeto profissional. Quando isso ocorre, as mediações com a profissão têm caráter analítico com ausência de proposições.

PALAVRAS CHAVE
Serviço Social, projeto profissional, emancipação, produção de conhecimento, formação.
ABSTRACT:
A social worker practice dedicated to the historical interests of workers requires security of ethical principles and theoretical support to illuminate a social-critical analysis and problematize the everyday practice of social workers in search of reference and democratize practices mediated by the professional project. However, there are insufficient and fragile production of knowledge in the Social Work that broach the profession and professional project. When it occurs, the mediations with the Social Work have analytical character with absence of propositions.
KEYWORDS:
Social Work, professional project, emancipation, production of knowledge, training.





Introdução    
            Na análise da produção de conhecimento do Serviço Social, presente nas revistas científicas da área, nos últimos 5 anos, buscamos apreender se a categoria dos assistentes sociais pode contar com produções que, para além das temáticas essenciais à formação ético-política e teórico-metodológica, estabeleçam mediações com a profissão e com o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, tendo em vista estruturar a busca de práticas medidas por ele. Um projeto que, apreendido na sua radicalidade, é parte e expressão de um proejto de sociedade anticapitalista,que busca favorecer os diferentes segmentos da classe trabalhadora na busca pela emancipação humana.
Estudos desenvolvidos no NEEPSS/FSS-UERJ, tendo como objeto os trabalhos publicados nos Anais dos principais eventos científicos do Serviço Social (ENPESS/CBAS) (Baltar, 2012; Vasconcelos e outros, 2013), mostram uma insuficiente abordagem da profissão e do projeto profissional e, quando ela acontece, é uma abordagem analítica com escassas abordagens também propositivas. A maioria dos assistentes sociais (oriendos da academia) não tematiza a profissão e a prática profissional, nem faz mediações com o Serviço Social e, desse modo, não estabelece as mediações necessárias com o Serviço Social, tendo em vista contribuir na estruturação de práticas mediadas pelo projeto profissional, o que dificulta que assistentes sociais e estudantes possam tê-las como referência para pensar e agir criticamente no cotidiano profissional.
Tendo em vista aprofundar nossos estudos, tomamos como objeto a produção de conhecimento da área de Serviço Social presente em teses (Baltar, 2015) e revistas científicas da área, buscando compreender como a produção de conhecimento da área de Serviço Social tem contribuído com o conhecimento, com a profissão, com o projeto ético-político e com o exercício profissional. Neste trabalho, apresentamos de forma sintética os principais achados dos estudos dos artigos publicados em três revistas científicas, realizados através de TCCs: Revista Temporalis (RODRIGUES, 2015), organizada pela ABEPSS, Revista Serviço Social & Sociedade (ALBUQUERQUE, 2015) e Revista Em Pauta da FSS/UERJ (NERI, 2015).
            Resaltamos, a seguir, sinteticamente, a importância da produção e democratização do conhecimento para a humanidade, para o Serviço Social e para o projeto profissional seguida da apresentação de alguns dos achados da investigação. Devido às exigências colocadas a este trabalho, não temos condições, aqui, de aprofundamento das questões abordadas.  

1 - Produção de conhecimento, universidade, Serviço Social e projeto profissional
            Como podemos apreender em Marx/Engels e Lukács, a partir de sua capacidade teleológica de planejar previamente em sua mente aquilo que deseja alcançar/criar, o homem é capaz de desenvolver novos conhecimentos. O sujeito precisa, além de idealizar o objeto antes de construí-lo, conhecer as condições objetivas sobre aquilo em que atua.
O conhecimento, sob a forma de um saber, inicia-se por intermédio da relação entre homem e natureza, ou seja, através do trabalho que, como atividade coletiva, permite sua democratização/ampliação. Ou seja, a partir das experiências durante sua vida, em busca de sobrevivência, por meio da concretização de suas objetivações, os homens têm a possibilidade de criar algo que até então não havia sido pensado. Podemos afirmar,assim, que o conhecimento é oriundo do trabalho e, não sem razão, “para Marx, uma expressão de nosso ser individual é também uma realização de nosso ser genérico” (Eagleton, 1999, p.50). Todo saber desenvolvido por um ser humano, a partir do momento que é partilhado com/por seus iguais, não pertence apenas a ele, mas a todos aqueles que usufruem de tal descoberta.
Quando o conhecimento criado na imediaticidade do trabalho se torna genérico, torna-se patrimônio da humanidade. A linguagem articulada, uma das particularidades do ser social[1], foi fundamental para que os indivíduos expressassem as suas representações sobre o mundo e tudo que o cerca. Foi a partir dela que novos conhecimentos puderam ser transmitidos, um processo que se desenvolve com base na comunicação que se estabelece através da relação entre os indivíduos. O caráter coletivo da atividade do trabalho é denominado social.
            Em suma, o trabalho, como atividade pensada, planejada, é a atividade fundante do ser social; atividade que resulta para o indivíduo e para a humanidade em conhecimento a partir da relação homem/natureza, em que o ser humano transforma a natureza para suprir suas necessidades. Atividade que exige pensar no que quer fazer, para o que quer fazer, qual o objetivo da ação, a partir de um processo de idealização do objeto que resulta numa atividade teleologicamente orientada que, no processo de humanização, traz como consequência, através de mediações cada vez mais complexas, o surgimento das inúmeras outras dimensões/obejtivações da atividade humana:  o pensamento religioso, a filosofia, a ciência, a arte, a economia, a política, o direito etc.
            A apropriação do conhecimento socialmente produzido se dá pela educação, que é uma relação entre homens, diferente do trabalho, que é uma relação entre homem e natureza. A Universidade, sustentada direta ou indiretamente nas sociedades modernas pelo fundo público, é uma instituição que tem um papel fundamental na formação de profissionais e democratização do conhecimento conservado/recuperado, mas, antes de tudo, um papel fundamental na produção do conhecimento necessário às respostas que, individual e coletivamente, necessitamos, tendo em vista garantir as condições necessárias à reprodução da espécie humana e conservação da natureza da qual dependemos. Assim, a universidade é um espaço privilegiado de manutenção da indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, que, por princípio, deveria formar cidadãos críticos responsáveis pela divulgação, democratização e produção do conhecimento socialmente necessário e referenciado.
A universidade brasileira surge no contexto do processo de industrialização no país – por volta de 1909 – tendo como objetivos formar a classe dominante burguesa e seus filhos para administrar a riqueza produzida socialmente e estimular o processo de produção de mercadorias sendo que a formação de trabalhadores do segmento operário se realiza de forma a serem adestrados para agirem dentro dos imperativos de comando do capital sobre o mercado de trabalho. Desse modo, a emergência da universidade no Brasil responde aos interesses do capitalismo emergente, não se constituindo num movimento neutro, direção social que vem impactando a instituição até os dias de hoje, diante das necessidades da burguesia/capital de garantir a reprodução das relações sociais que interessam ao desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista.
Mas, como afirma Chaui (2003), “A universidade é uma instituição social e como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo”. Desse modo, no seu interior convivem opiniões, atitudes e projetos conflitantes que expressam as divisões e contradições da sociedade, contexto conflituoso que influencia a produção e democratização do conhecimento e a formação de profissionais.
            A partir da década de 1960, impulsionado pela efervescência política da época e pelos movimentos sociais e da classe trabalhadora, tem início o Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano, que expressava uma crítica ao Serviço Social Tradicional. Criticava-se a equalização do Serviço Social à ajuda/caridade, sua base teórica ligada à Igreja Católica e ao funcionalismo, o caráter de executores terminal das políticas e a falta de criticidade da/na profissão. Esse movimento deu abertura para mudanças no Serviço Social em toda América Latina e no Brasil; movimento que, mesmo não sendo homogêneo, nem entre os países, nem dentro de cada país, visto que nem toda a categoria profissional concordava com as questões colocadas, sem dúvida, foi de grande importância para transformações no seio da profissão.
            No Brasil, que se encontrava, desde 1964, sob o comando de uma ditadura civil/militar (ver Netto, 2014), parte expressiva dos assistentes sociais, submetida a forte repressão vivida em todo o país, recorria à literatura latino-americana da área e áreas afins. Desse modo, o movimento latino-americano influenciou profundamente assistentes sociais brasileiros de dentro e fora da academia e, entre 1970-1980, em âmbito nacional, emerge o Movimento de Renovação do Serviço Social brasileiro (Netto, 2011).
É a partir da vertente crítica desse Movimento, denominada intenção de ruptura, que os profissionais que acreditavam no caráter político e social de uma profissão vinculada à realidade social capitalista, passaram a se apropriar de autores que estudavam tal realidade de forma crítica. O Serviço Social se aproxima do marxismo e da Teoria Social de Marx, gradativamente se aproximando das produções originais e seminais.
            Com o fim da ditadura miliar, um movimento que articulou assistentes sociais que atuavam diretamente com os trabalhadores/usuários, no planejamento e gestão de serviços, assistentes sociais da academia, assistentes sociais que ocupavam os organismos de representação da categoria e discentes, resultou, no início dos anos 90, no que hoje denomina-se projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro.
             O movimento que resulta e mantém vivo o projeto, em aliança com segmentos organizados da classe trabalhadora e com os movimentos que deram o grito de liberdade ao derrotarem a ditadura, que processou e processa a organização política da própria categoria e que mantém hegemonia com relação às referências para a formação acadêmico-profissional, exigiu e exige a interlocução com a Teoria Social crítica. Neste contexto: a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) propõe, num primeiro momento, um Currículo Mínimo para a formação do intelectual, radicalmente crítico, criativo e propositivo, necessário a práticas que possam favorecer os interesses históricos dos trabalhadores (Ver Revista Serviço Social e Sociedade nº 14, 1984), que tem sua expressão final nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1993[2]; a categoria num poderoso movimento de debate e reflexões modifica a Lei de Regulamentação (1993) e o Código de Ética do assistente social (em 1986 e em 1993); parte da intelectualidade do Serviço Social brasileiro, a partir de uma produção de conhecimento de cariz teórico-metodológico crítico, vem estabelecendo uma interlocução fecunda com intelectuais de áreas afins não capturados pelo pensamento pós-moderno; o conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO articula a organização política da categoria no país.
Na perspectiva do proejto é que a produção de conhecimento dentro e fora do Serviço Social foi e é fundamental para o avanço da profissão, tendo em vista uma materialização do projeto profissional que resulte em contribuições para os trabalhadores nos seus processos de formação, mobilização e organização.
É nesse sentido que a produção de conhecimento da área de Serviço Social, favorecendo não só a formação dos sujeitos profissionais, mas iluminando o cotidiano profissional – o que só é possível a partir das mediações necessárias com a profissão e da análise concreta de situações concretas – torna-se estratégica e fundamental. [...]. Diante disso, os desafios maiores dos assistentes sociais que escolhem o projeto ético-político como referência não estão determinados ad eternum pela qualidade da formação graduada – onde predomina o ensino privado e à distância, apartados das Diretrizes Curriculares da ABEPSS -, mas nas possibilidades existentes e a serem construídas individual e coletivamente, de estruturar uma formação permanente qualificada – ou seja, formação de um intelectual – para planejar e executar estratégias e ações necessárias àquela contribuição (Vasconcelos, 2015, p.204).
A questão que se coloca é qual a contribuição que a produção de conhecimento da área tem dado na busca de práticas mediadas pelo projeto, quando já temos conhecimento de que as pesquisa da área não tomam como objeto de investigação sistemática o cotidiano dos assistentes sociais brasileiros, na formação e na atividade sócio assistencial. (Ver Iamamoto, 2007, cap.4) Frente a isso, torna-se necessário, antes de mais nada, qualificarmos a presença do Serviço Social e do projeto profissional nos veículos de democratização da produção de conhecimento da área (revistas científicas, teses e dissertações, Anais de Congresso, livros, coletâneas etc.).           
            Ressaltamos aqui que uma produção de conhecimento na perspectiva crítica não é necessária a qualquer projeto profissional, mas, como podemos apreender em Vasconcelos (2015, cap.1), ao projeto que se reivindica articulado a um projeto de sociedade anticapitalista em busca da emancipação humana. Diante das exigências e desafios colocados aos assistentes sociais que escolhem conscientemente essa direção social, afirma a autora,
O projeto profissional não veio para colocar os assistentes sociais dando “murro em ponta de faca”. Ao revelar as condições e conteúdos necessários para que os assistentes sociais compreendam o “significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio histórico, nos cenários internacional e nacional” e sejam capazes de desvelar “as possibilidades contidas na realidade”, como consta das Diretrizes Curriculares da ABEPSS e dos Núcleos de Fundamentação, o projeto profissional, enquanto referência, sinaliza as condições necessárias para que os assistentes sociais, para além das requisições institucionais, mas não independente delas, possam identificar o necessário – no que se refere às dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas – tendo em vista favorecer mais o trabalho do que o capital. (Vasconcelos, 2015)

2 - A produção de conhecimento nas revistas científicas da área de Serviço Social
A base de dados objeto da presente análise - 3 revistas científicas, 46 edições com 426 artigos - é originária do aprofundamento da investigação realizada no NEEPSS sobre o exercício profissional dos assistentes sociais em diferentes áreas temáticas, o que resultou em três Trabalhos de Conclusão de Curso que tematizaram a produção de conhecimento da área de Serviço Social, a partir de um Eixo de Análise elaborado pela coordenadora, tendo em vista apreender o conteúdo e a direção social de cada produção. As revistas científicas analisadas foram: Serviço Social e Sociedade – 59 artigos, publicados entre 2010-2014, em 20 revistas; Revista Temporalis, organizada pela ABEPSS - 106 artigos, publicados no período de 2010 a 2015, em 10 revistas; Revista Em Pauta/FSS/UERJ - 161 artigos, publicados no período de 2007 a 2014, em 16 revistas.
Buscamos identificar contribuições para se pensar e fazer Serviço Social na direção do projeto profissional e, como consta do Eixo de Análise (Vasconcelos, 2013), não se reivindica a relação de toda a produção da área de Serviço Social com a profissão e/ou com o exercício profissional, nem com o projeto profissional. A questão central é identificar se os assistentes sociais brasileiros têm disponível uma produção de conhecimento qualificada, que aborde questões relacionadas ao exercício profissional, frente às referências ético-políticas e teórico-metodológicas que orientam o projeto profissional, para além da produção que fundamente a formação graduada e permanete de um profissional generalista e crítico. Ressaltamos assim, que a maioria dos trabalhos que não promove mediações com a profissão apresenta riqueza teórica ao abordar temas relevantes para o Serviço Social.
Tendo em vista distinguir os artigos que fazem ou não relação com a profissão, num primeiro momento, foram consultados os títulos, os resumos e as palavras-chave, buscando identificar qualquer palavra/noção/conceito que possa sugerir essa relação. Assim, na presença de “Serviço Social”, “assistente social”, “projeto ético-político” e/ou “projeto profissional”, “prática profissional”, o artigo foi selecionado. Na ausência desses indicadores e em casos de dúvida, foi realizada a leitura da introdução, das considerações finais e/ou de alguns itens tendo em vista identificar ou não algo que fizesse relação com a profissão, partindo do pressuposto de que se o artigo cita termos relacionados à profissão no mesmo temos a possibilidade de encontrar mediações com a profissão/projeto/cotidiano profissional.
            Cada uma das variáveis analisadas, enriquecidas com categorias indicadas pelo próprio processo de reconstrução empírica do objeto, foi alimentada a partir do processo de leitura dos artigos indicado acima e sistematizadas.[3]
            Quanto à articulação dos artigos com o Serviço Social: Revista Em Pauta, 20% dos artigos fazem alguma referência ao Serviço Social; Revista Serviço Social e Sociedade, 47% e Revista Temporalis/ABEPSS, 61%. Ou seja, no computo geral dos 426 artigos, a maioria não chega a mencionar o Serviço Social. Considerando que a produção de conhecimento da área pode fortalecer a democratização do conhecimento necessário a práticas profissionais críticas, propositas e criativas, a partir da divulgação de resultados de pesquisas/estudos, relatos de experiência etc.; pode favorecer que os profissionais apreendam as contradições do real e realizem as mediações necessárias para apreensão crítica da realidade social trabalhada, tendo em vista a superação de ações fragmentadas, baseadas no senso comum, é relevante que duas das principais revistas da área têm mais da metade dos artigos sequer mecionam a profissão. Por outro lado, há que se destacar que a revista Temporalis da ABEPSS, com 39% de artigos que não citam o Serviço Social. é uma importante revista de um dos organismos de representação da categoria, voltado para a formação. 
            Quanto ao vínculo dos autores: Revista Em Pauta, 88% dos autores são vinculados à Academia; destes, 71% não citam o Serviço Social e 17% restantes citam; 2% dos autores pertencem aos Serviços, sendo que nenhum deles cita o Serviço Social; 10% dos autores atuam na Academia e nos Serviços, 3% fazem referência à profissão; Revista Serviço Social e Sociedade, 75% dos autores são vinculados à Academia e, destes, 33% citam e 42% não citam o Serviço Social; 3% são da área de Serviços - 2% não citam o Serviço Social e 1% cita; 22% são do Serviço/Academia, sendo que 10% não citam o serviço social e 12% citam; Revista Temporalis, 89% dos autores estão na Academia - 35% não citam o Serviço Social e 54% citam; 2% da área de Serviços, todos citam o Serviço Social; 10% oriundos do Serviço/Academia - 4% não citam o Serviço Social e 6% citam. 
Observa-se, o que também foi identificado na análise dos trabalhos publicados nos Anais do CBAS/ENPESS, que a maioria dos artigos analisados é de autores vinculados à Academia. Dado relevante, visto que produções advindas da Academia, certamente fruto de estudos e pesquisas, são fundamentais para o enriquecimento científico de docentes, alunos e profissionais que atuam diariamente junto à população. Seus autores encontram-se em espaços privilegiados de produção de conhecimento – principalmente no que se refere à universidade pública –, quando os autores podem contribuir para resgatar a unidade teoria-prática e problematizar caminhos para atuação profissional, na direção do projeto profissional. Mas, considerando a totalidade de artigos oriundos da Academia, observa-se também que a maioria dos autores não realiza mediações com a profissão.
O número reduzido de artigos de autores vinculados aos serviços pode significar ou que poucos assistentes sociais estão produzindo ou que não estão conseguindo aprovação nas revistas para a publicação de seus artigos, o que não foi possível e seria difícil identificar. Mas o que se observou é que os assistentes sociais que estão trabalhando diretamente com os trabalhadores/usuários priorizam temas gerais – idoso, adolescente, questões de gênero, raça, etnia, por exemplo - e não estão abordando questões relevantes e desafiadoras presentes no cotidiano da prática, o que, também, se expressa na reduzida presença entre os artigos de relatos/democratização de experiências profissionais, analisadas tendo em vista apreender e democratizar seus limites, possibilidades, consequências.
            Quanto à titulação dos autores: Revista Em Pauta: 5% têm graduação, 2% especialização, 36% mestrado, 46% doutorado e 11% pós-doutorado; Revista Serviço Social e Sociedade: 2% têm graduação, 1% especialização, 24% mestrado e 72% doutorado; Revista Temporalis: 4% têm graduação; 1% especialização, 46% mestrado, 49% doutorado. A maioria dos autores tem doutorado/pós-doutorado e está vinculada à Academia, espaço privilegiado de produção de conhecimento, dispondo de condições mais favoráveis para o desvendamento do complexo cotidiano institucional/profissional. Assim, é de onde a categoria pode esperar uma produção de um conhecimento qualificada tendo em vista o enfrentamento dos desafios colocados aos assistentes sociais pelo projeto/cotidiano profissional.
            É diante disso que torna-se necessário abordar com mais profundidade os artigos que fazem alguma mediação com o Serviço Social. Para Vasconcelos (2014), mediação explicita é aquele artigo que em algum momento faz menção à profissão e/ou aos profissionais e mediação implícita é aquela que o autor não menciona o Serviço Social/ projeto profissional, mas na análise dos temas evidencia-se uma articulação com a profissão. Em todas as 3 revistas, em meio a uma maioria que não cita a profissão, é favorável que todos os artigos que fazem alguma mediação com o Serviço Social o fazem de forma explícita. Este dado revela uma realidade diferente da observada na análise dos trabalhos publicados nos Anais do CBAS/ENPESS, onde a maioria realiza mediações de forma implícita.
            Como consta do Eixo de Análise, os artigos em que os autores além de mencionarem o Serviço Social e/ou projeto de profissional, anunciam a relevância da temática/produção para a profissão, mas sem que deixem claro o teor dessa relevância, são caracterizados como relação abstrata. Os artigos em que os autores realizam mediações com o Serviço Social e/ou projeto profissional, revelando, de forma coerente e articulada, o porquê da importância do tema para a profissão e/ou o porquê da importância dos assistentes sociais acessarem/disscutirem tais conhecimentos, informações, instrumentos, são caracterizados como relação substantiva. No caso de mediações com o projeto profissional, de forma coerente e articulada, ficam explicitados finalidades e/ou princípios do projeto.
            Na Revista Em Pauta, dos 20% de artigos que citam o Serviço Social, 9% são caracterizados como relação substantiva e 11% abstrata. Na Revista Serviço Social e Sociedade, dos 47% que citam o Serviço Social, 43% fazem uma relação substantiva e 4% realizam uma relação abstrata. Na revista Temporalis, dos 61% que citam o Serviço Social, 48% fazem relação substantiva e13% abstrata. Ou seja, à maioria de artigos que não cita o Serviço Social, podemos agregar, ainda, os artigos que estabelecem uma relação abstrata com a profissão, na medida em que não possibilitam mediações claras com o Serviço Social mesmo quando se referem a ela. 
            Quanto à relação dos artigos com o projeto ético-político da profissão, conideando a totalidade dos artigos: Revista Em Pauta, 80% não citam o Serviço Social; 10% não citam o projeto; 2% realizam mediações implícitas com o projeto (comungam com a direção social do projeto) e 8% fazem mediações explícitas, ou seja, abordam o projeto profissional no contexto da temática desenvolvida; Revista Serviço Social e Sociedade, 53% não se referem à profissão; 8% não citam o projeto ético-político, 9% realizam mediações implícitas e 30% mediações explícitas. Revista Temporalis, 39% não citam o Serviço Social, 5% não citam o projeto, 15% fazem mediações implícitas e 42% realizam mediações explícitas. Se considerarmos que grande parte dos artigos que não cita o Serviço Social ou o projeto ético-político da profissão contém indicadores que os coloca na sua direção social, como pode ser observado, e que são poucos os artigos que não fazem referência ao projeto, podemos afirmar, ainda que sem uma análise profunda dessa referência, que a maioria da produção das revistas científicas da área está em consonância com uma direção social que favorece a luta dos trabalhadores por emancipação humana. No mais, é a Revista Temporalis que se destaca com uma expressiva produção na direção do projeto profissional. Ressaltamos, porém, que uma coisa é uma defesa abstrata do projeto – nomeando-se princípios de forma fragmentada e/ou simplesmente anunciando ter o projeto como referência – e outra é uma escolha consciente do mesmo, tendo em vista práticas mediadas por ele, ao se enfrentar suas exigências com relação à segurança dos princípios ético-políticos e das referências teórico-metodológicas necessárias à sua transformação em realidade.
            Com relação às mediações substantivas/abstratas dos artigos com o projeto ético-político do Serviço Social: na Revista Em Pauta, do total de 20% de artigos que citam o Serviço Social, 10% não citam o projeto, 1% faz referência a ele de forma abstrata e 9% de forma substantiva. Na Revista Serviço Social e Sociedade, dos 39% que fazem referência ao projeto, 6% fazem de forma abstrata e 33% de forma substantiva. Na Revista Temporalis, do total de 57% que fazem referência ao projeto, 25% o fazem de forma abstrata e 31% de forma substantiva. Para além dos autores que não fazem referência ao Serviço Social e ao projeto profissional, o que se destaca é que quase metade dos autores que se referem ao projeto o fazem de forma abstrata, ou seja, uma referência proforma. É assim que observamos, em artigos que citam o Serviço Social e o projeto de forma abstrata, na introdução ou na conclusão, por exemplo, o autor dizer: “esse tema é importante para o Serviço Social”; parto do projeto do Serviço Social”.  Ou seja, a referência, principalmente ao projeto, é quase uma obrigação, mas não uma escolha consciente, na medida em que nada no desenvolvimento do texto justifica aquela referência .
            Como consta do Eixo de Análise, consideramos como eclético o artigo em que o autor reproduz referências teórico-metodológicas e ético-políticas que apresentam contradições indissolúveis, sem considerar as contradições entre elas. Como pluralista, consideramos o artigo em que o autor se apropria conscientemente e sem contradições profundas de referencial teórico-metodológico e ético-político, a partir da compreensão de que qualquer estudo que aborde a realidade social pode contribuir para a apreensão do movimento do real, tendo respeitada a direção social escolhida; o que significa que o autor, ao citar autores que no limite se confrontam com sua direção social, deixa clara a sua posição frente ao autor citado.  
            Na Revista Em Pauta, observamos que 80% dos artigos não faz mediação com o Serviço Social, 10% não citam o projeto, 9% são pluralistas e 1% é eclético. Na Revista Serviço Social e Sociedade, 53% não fazem relação com o Serviço Social, 8% não citam o projeto, 35% são pluralistas e 4% são ecléticos. Na Revista Temporalis, 39% não citam o Serviço Social, 5% não citam o projeto, 45% são pluralistas e 11% são ecléticos. O que podemos observar é que os autores que fazem referência ao Serviço Social e ao projeto profissional, em sua maioria, estabelecem uma relação substantiva tanto com o Serviço Social como com o projeto, assim como, em sua maioria, tendem a ser pluralistas, ou seja, se apropriam conscientemente e sem contradições profundas do referencial teórico metodológico e ético político expresso no projeto ético-político. Lembramos que a maioria dos autores está vinculada à Academia (doutores, pós-doutores, mestres etc.) e, certamente, realizando estudos e pesquisas, em processo de formação permanente. Observa-se que a revista que apresenta um percentual maior de artigos ecléticos é justamente a revista editada pela ABEPSS. Por fim, abordamos as características dos artigos com relação ao conteúdo.
Tabela 1 – Artigos das Revistas científicas da área de Serviço Social - Em Pauta, Serviço Social& Sociedade, Temporális-: características com relação ao conteúdo
Características do artigo
EM PAUTA
Serviço Social & Sociedade
Temporalis
Analítico
5%
17%
22%
Analítico/propositivo
5%
15%
9%
Relato histórico/analítico/propositivo
4%
1%
2%
Relato histórico
2%
-
-
Relato de experiência/analítico
-
-
5%
Relato de experiência/analítico/propositivo
1%
1%
6%
Resultado de pesquisa
1%
-
-
Resultado de pesquisa/analítico
-
5%
7%
Resultado de pesquisa/analítico/propositivo
2%
8%
5%
Projeto de pesquisa/analítico
-
-
6%
Projeto de atuação resultados/analítico
-
-
1%
Não cita o Serviço Social
80%
53%
39%
Total
100%
100%
100%
Fonte. Vasconcelos, A.M. NEEPSS/FSS/UERJ, 2016.
           
Esta tabela revela, dentre muitas coisas, mas antes de tudo, que em três das mais importantes revistas cientificas da área o Serviço Social não está presente como objeto de atenção e que os artigos em que Serviço Social é objeto de atenção são, na sua maioria, analíticos, ou seja, são artigos que realizam somente a análise do tema escolhido, podendo ser um estudo/revisão bibliográfica ou a discussão teórica de um tema. A revista Serviço Social&Sociedade se destaca com 15% de artigos analítico/ propositivos, ou seja, artigos que além de abordagem teórica, o autor ressalta a relevância da produção para a área de Serviço Social, com apresentação de proposições frente ao que foi realizado pelo assistente social, seja de forma a democratizar experiências exitosas/contraditórias, seja para sugerir caminhos/alternativas e indicar possibilidades para a atuação profissional.  
Observa-se que quando o comitê editorial da revista insere o Serviço Social como temática da edição, é maior a presença de artigos que realizam mediações com a profissão.

Considerações Finais        
Este trabalho sintetiza estudos do NEEPSS sobre a produção de conhecimento da área. Ao analisarmos revistas científicas importantes para o Serviço Social, podemos observar que a produção de conhecimento que referencia a formação e a prática dos profissionais, apesar de sintonizada com a direção social do projeto profissional, vem revelando uma insuficiente abordagem da profissão e quando ela acontece é uma abordagem analítica em detrimento de uma abordagem também propositiva. Assim, reafirmamos o que vem sendo apreendido nas investigações: a produção de conhecimento da área de Serviço Social, em sua maioria, não aborda a profissão, o projeto e nem o cotidiano profissional e quando o faz, não prioriza abordagens que favoreçam a estruturação de práticas mediadas pelo projeto profissional – ou seja, práticas que favoreçam a luta dos trabalhadores e trabalhadoras por emancipação humana. A questão não é reivindicar que toda produção faça mediações com o Serviço Social, mas ressaltar a preocupação que surge quando a produção já analisada revela uma escassa e débil presença de trabalhos que referencie os assistentes sociais tendo em vista consolidar ações mediadas pelo projeto profissional.
Bibliografia
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BALTAR, Juliana Ferreira. Serviço Social, Projeto Ético Político e Produção de Conhecimento: o 13º CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais): uma análise comparativa entre os dois últimos CBAS. Trabalho de Conclusão de Curso. NEEPSS/Faculdade de Serviço Social da universidade do estado do rio de janeiro, 2012.
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[1] Como mostram Netto e Braz (2006, p. 41) o ser social se particulariza porque é capaz de: ”realizar atividades teleologicamente orientadas; objetivar-se material e idealmente; comunicar-se e expressar-se pela linguagem articulada; tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo, consciente e autoconsciente; escolher entre alternativas concretas; universalizar-se e socializar-se”.
[2] Como muitas das questões colocadas aqui, para referenciar a leitura dos dados empíricos, não temos condições de aprofundar a convivência conflituosa entre as Diretrizes Curriculares da ABEPSS e as Diretrizes Curriculares do MEC que, esvaziadas de conteúdos e de direção social, veem favorecendo a mercantilização e massificação da formação dos assistentes sociais brasileiros através da inciativa privada – seja presencial, seja à distância.   
[3] Utilizamos, na identificação do percentual, o software Microsoft Office Excel 2010, com fórmula matemática específica como base estatística para os artigos, desta forma, trabalhamos dentro da margem de erro de 3% a 5%, com os números inteiros.

1º Trabalho aprovado no ENPESS ( Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social)

SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
Exercício profissional, competências, atribuições e condições de trabalho.

RESUMO: Realizamos uma primeira aproximação sobre a realidade dos assistentes sociais nas unidades sócio assistenciais do município do Rio de Janeiro, a partir de uma investigação em profundidade que se encontra em fase de coleta de dados. Identificamos uma prioridade dada pelos profissionais ao atendimento individual de indivíduos/famílias; precárias condições de trabalho na maioria das unidades que revela os impactos do desmonte das políticas sociais e a desvalorização dos trabalhadores da política de Assistência Social, o que dificulta ainda mais a possibilidade de transformação desta em direito social e dever do Estado e como caminho para preparação de processos de ruptura.

PALAVRAS CHAVE: Serviço Social; Assistência Social, Prática profissional, condições de trabalho, emancipação.

ABSTRACT: We performed a first approximation on the reality of the social workers in social and welfare units of the municipality of Rio de Janeiro, from an in-depth investigation which is at the stage of data collection. We identify a priority given by professionals to individual care individuals and families; precarious working conditions in most of the units that reveals the impact of disassemble of social policies and the devaluation of the employees of Social welfare policy, which complicates even more the possibility of this transformation in social right and duty of the State and as a way for preparation of rupture processes.
KEYWORDS: Social service; Social assistance, professional practice, working conditions, emancipation.



INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de investigação financiada pelo CNPq/FAPERJ e desenvolvida em uma universidade pública. Parte da hipótese que os assistentes sociais (ASs) não estão conseguindo identificar e realizar possibilidades de práticas contidas na realidade na direção dos interesses dos trabalhadores, em consonância com o que expressa o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro (ver, Vasconcelos, 2015, 1.4), para além das necessárias respostas às requisições institucionais pela viabilização burocrática e condicional das políticas sociais/serviços sócio assistenciais.
Nossos estudos tomam como objeto a realidade sócio profissional dos diversos campos de atuação dos assistentes sociais, buscando compreender o sentido/direção social do exercício profissional, frente à proposta neoliberal que, sistematicamente, vem realizando o desmonte do tripé da seguridade social (saúde, previdência e assistência), ao tratar como mercadoria os direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988.
No momento, estamos em fase de coleta de dados, na área da Assistência Social/RJ, mais especificamente, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) e Centros de População de Rua (centros POP), que compõe a reconstrução empírica do objeto que vem sendo realizada, desde 2002, nas demais áreas de atuação profissional.
A coleta de dados é feita através de entrevista em profundidade com assistentes sociais que realizam reuniões com usuários; sistematização de três reuniões realizada por cada profissional entrevistado e observação registrada em Diário de Campo.
Neste trabalho, realizamos uma primeira aproximação do tema a partir de 12 entrevistas com assistentes sociais, dando destaque, dentre 235 variáveis, a vinte e duas que abordam legislação profissional, competências e atribuições profissionais e condições de trabalho, cotejadas com a observação de campo. Ressaltamos que dos 12 ASs entrevistados, somente 5 permitiram tanto a realização da entrevista como a sistematização das reuniões, aos quais desde já agradecemos a contribuição em busca de uma atuação mediada pelo projeto profissional.
Aos assistentes sociais que escolhem o projeto profissional apreendido em articulação a um projeto de sociedade emancipatório, torna-se essencial compreender como os assistentes sociais brasileiros vêm atuando em meio às contradições da sociedade capitalista que resultam em demandas por emancipação e requisições institucionais por controle, manipulação e desinformação dos trabalhadores ocupados e desocupados, muito aquém de requisições pela garantia dos direitos sociais e econômicos garantidos pela democracia burguesa na Constituição de 1988, direitos que entendemos – na contradição capital-trabalho - essenciais à garantia da vida que permite aos trabalhadores se inserirem na luta por uma humanidade emancipada.
Destacamos que, por um lado, na vigência de um Código de Ética, de uma Lei que regulamenta a profissão, de Diretrizes Curriculares da ABEPSS que iluminam a formação de um intelectual com capacidade de uma análise social mediada pela crítica da economia política – Diretrizes que convivem em conflito e disputa com as Diretrizes Curriculares oficias do MEC para o Serviço Social -, de um poderoso movimento de organização política da categoria que envolve o conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO, de práticas e de uma produção de conhecimento da área de Serviço Social, conjunto, em movimento permanente, que ainda expressa o que denominamos projeto ético-político do Serviço Social brasileiro articulado aos interesses históricos dos trabalhadores, e por outro lado, diante de um processo de formação massificado através de cursos à distância, do desmonte da restrita Seguridade Social brasileira – que resulta em serviços sócio assistenciais miseráveis para miseráveis e que remete os assistentes sociais a atuarem juntos aos trabalhadores a partir de recursos exíguos e em péssimas condições de trabalho e remuneração -, dentre tantas outras coisas, a categoria dos assistentes sociais não vem conseguindo superar a tendência ao conservadorismo que, dialeticamente, expressa o conservadorismo e a alienação presentes nas relações sociais capitalistas, no exercício e na formação profissional, o que vem colocando em cheque a tão propalada hegemonia do projeto de profissão expressa por sua defesa, pelo menos em tese, por parte da maioria dos assistentes sociais brasileiros. Assim vejamos.

1- Política Pública de Assistência Social e Serviço Social.
            O sistema capitalista desde seu surgimento, que sucedeu na virada do século XVIII para o século XIX no ocidente, vem passando por diversas transformações. Devido a seus moldes de produção através da exploração do trabalho e da concentração de propriedade e riqueza socialmente produzida, o capitalismo tem como traço inevitável crises que, diante de uma estrutura contraditória, exigem do sistema reinventar-se e ampliar-se constantemente. A partir dos anos 1970, é o neoliberalismo, que no Brasil, desde início da década de 1990, segue se aprofundando cada vez mais, que vem em socorro da sobrevivência do sistema. Neste modelo econômico e político, o mercado é exaltado e é retirado do Estado o poder de intervenção/regulação, o que resulta em um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital. Como afirmam Netto&Braz, “o capitalismo contemporâneo particulariza-se pelo fato de, nele, o capital estar destruindo as regulações que lhe foram impostas como resultados das lutas do movimento operário e das camadas trabalhadoras” (2006, pg.225, negrito dos autores).  Ver, dentre outros, Harvey, 2011 e Netto&Braz, 2006, capítulos 7, 8, 9)  
Como não poderia deixar de ser, num contexto em que todas as instâncias da vida social estão submetidas à lógica do grande capital, tem vigência o aprofundamento da precarização das políticas sociais (recursos, serviços, condições de trabalho e assalariamento etc.) e da formação dos profissionais de nível superior, o que atinge, em cheio, os assistentes sociais.
Tanto as Universidades públicas quanto as privadas estão atravessadas pela lógica da produtividade, pelas graduações e pós-graduações rápidas (centradas na técnica/especialização), sem preocupação com a formação de intelectuais, ricos subjetivamente, tendo em vista a prestação de serviços, produção e democratização dos conhecimentos necessários à sociedade que as sustentam. É neste contexto que, transformada em mercadoria, a formação graduada vem se operando, especialmente no Serviço Social, através de cursos à distância, os quais vêm crescendo de forma desenfreada, em diferentes áreas, concomitante a um adestramento através da proliferação de escolas técnicas que barram parte expressiva da juventude brasileira de usufruir de espaços que, por excelência deveriam articular de forma indissociável ensino-pesquisa-extensão. Um estado de coisas que vem favorecendo o adestramento e não a formação acadêmico-profissional de gerações inteiras submissas aos interesses do capital/burguesia, nacional e internacional, impedidas que são de, numa perspectiva de totalidade, se colocar criticamente frente ao que o capitalismo fez delas, em busca de articulação de princípios ético-políticos emancipatórios e referências teórico-metodológicas necessárias à transformação desses princípios em objetivos a serem alcançados no cotidiano da prática profissional e consequentemente da vida, em busca de participar conscientemente da sociedade a qual pertencem.
Esta realidade impacta profundamente os assistentes sociais, profissionais que são chamados, pelo capital, a obscurecer a origem das diferentes expressões da questão social, através da intervenção direta ou indireta na vida de diferentes segmentos da classe trabalhadora, de forma individual (entrevista, visitas domiciliares etc.) ou coletiva (reuniões, assembleias etc.), viabilizando e/ou negando acesso a serviços sócio assistenciais garantidos na vigência da democracia burguesa, tendo em vista, controle e manipulação dos trabalhadores ocupados e desocupados. Neste contexto, uma formação graduada e permanente, centrada no acesso teórico-crítico à produção de conhecimento disponível até aquele momento histórico, em especial a produção de conhecimento da área de Serviço Social e áreas afins, pode influenciar as possibilidades concretas de, individual e coletivamente, os assistentes sociais, pela mesma ação, favorecerem mais ao trabalho – em consonância com o projeto profissional – do que ao capital - como é de interesse do projeto de dominação burguês, em busca da manutenção de um sistema centrado na exploração do trabalho, concentração de propriedade e riqueza socialmente produzida. (Ver Iamamoto. In, Iamamoto&Carvalho, 1982, Parte 1). 
      Como um trabalhador assalariado, apesar de possuir uma autonomia relativa, o assistente social (AS) está exposto às determinações dos seus empregadores, sendo o Estado o maior empregador no Brasil, o que traz à tona um impasse ao profissional que toma o projeto ético-politico da profissão como referência, pois o Estado é o maior violador de direitos dos trabalhadores. Sendo assim, é requisitado do profissional que escolhe conscientemente articular sua atuação profissional aos interesses históricos dos trabalhadores, uma formação teórico-crítica, graduada e permanente, que não determina caminhos, mas pode iluminar a construção e viabilização dos caminhos a serem trilhados nessa direção.
            Neste processo, o planejamento é central, visto que uma prática em que o assistente social se coloque como sujeito junto aos trabalhadores considerados e presentes como sujeitos exige “prática mediada por teoria, acumu­lação de forças, persistência, estabelecimento de relações com outros es­paços e sujeitos, individuais e coletivos, poderosamente mobilizados e organizados, tendo em vista fortalecer e multiplicar as consequências das nossas ações favoráveis aos trabalhadores”. (Ver Vasconcelos, 2015, 1.4.2 e capítulo 3).
É neste contexto, abordado de forma breve e superficial tendo em vista os objetivos deste trabalho, que vamos buscar apreender o cotidiano profissional dos ASs em busca de tendências e possibilidades de atuação em consonância com as finalidades e objetivos emancipatórios, neste momento, priorizando o exercício profissional na política de Assistência Social.
Em 1942, como ação caritativa, sob a direção de Darcy Vargas, se efetiva através da Liga Brasileira de Assistência Social (LBA), de caráter público privado, ações clientelistas, pontuais e conservadoras que marcaram a Assistência Social no Brasil até que, com a Constituição de 1988, esta política, legalmente, torna-se política pública e de direito, constituindo o tripé da Seguridade Social.  Em 1993, a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) estabelece as normas e critérios necessários para a prestação da Assistência Social como direito, centrada em mínimos sociais, e política não exclusiva do Estado, como consta no artigo primeiro da LOAS: “Art. 1º. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.” No Art. 2, constam em seus objetivos “I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Ou seja, centrada em mínimos sociais e como política não exclusiva do Estado – o que favorece a mercantilização da diminuição de miseráveis -, em momentos de desemprego estrutural (Mészáros, 2002), o único objetivo que poderia favorecer uma “porta de saída” - a promoção da integração ao mercado de trabalho - não tem expressão e nem é priorizado dentre os demais objetivos, o que só acontece via inserção dos trabalhadores miseráveis - apartados do altamente competitivo mercado de trabalho que, com a tecnificação da produção de bens e serviços e da financeirização da economia, leva o capitalismo a necessitar cada vez menos de trabalho vivo, mesmo que qualificado – em serviços pontuais e não garantidos socialmente (manicure, catador de lixo, vendedor ambulante etc. etc.).
A instituição, em 2005, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que organiza o funcionamento da assistência social pública, tendo em vista materializar a LOAS, ainda que amplie exponencialmente os serviços destinados à diminuição dos miseráveis – ou transformação de miseráveis em pobres – não torna possível a execução integral do que está garantido legalmente. Neste contexto, a Proteção Social Básica refere-se aos serviços de prevenção e a Proteção Social Especial presta atenção àqueles cujos direitos já foram violados. Com essa organização, o assistente social passa a compor equipes multiprofissionais, nos CRAS, CREAS e Centros POP, que se colocam frente às requisições institucionais por cadastro de toda população miserável e pobre e inserção daqueles que se encontram nos critérios delimitados pela política e seu cumprimento das condicionalidades para continuidade dos benefícios. A municipalização da atenção e criação de unidades em todo o país, que resultou na ampliação do mercado de trabalho para os assistentes sociais, vem favorecendo a equalização entre Serviço Social e assistência social. 

2- O exercício profissional na área da Assistência Social: primeira aproximação.
Na análise das respostas dos assistentes sociais, utilizaremos porcentagem com arredondamentos e números, para assegurar a contabilização do conteúdo das respostas.
Sobre a Lei de Regulamentação da profissão de Serviço Social, todos os profissionais afirmaram conhecê-la, o que demonstra que teoricamente os profissionais possuem a Lei n.8.662 (1993) como referência, ainda que com questionamento. As propostas de mudanças na lei podem estar revelando que esses profissionais tanto não têm clareza do que mudariam, como não têm uma avaliação política do que seria propor mudanças numa conjuntura que está impondo perdas imensas aos trabalhadores.
Metade dos profissionais afirma que todas as atividades que realizam estão previstas na Lei; a outra metade afirma que não. Destaca-se uma contradição a esse respeito visto que, ao serem perguntados sobre as atividades que realizam, 7 dos entrevistados abordam atividades que não estão previstas na Lei.
Sobre as atividades que realizam e que estão previstas na Lei: 3 profissionais não responderam; 7 fizeram referência a atribuições profissionais em geral como: planejar, organizar e administrar programas e projetos em unidade de serviço social /coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de serviço social; treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de serviço social; e 6 profissionais fizeram referência a competências profissionais em geral.         Sobre atividades que realizam e que não estão previstas na lei, 5 ASs não se manifestaram a respeito e 7 fazem referência a atividades diversas como: “não previstas pela política de assistência social” (2); atividades que “são de outros profissionais” (2); atividades administrativas, destacando-se o “preenchimento de cadastros” (2) e 2 dizem que realizam atividades não previstas, sem especificar. Destacam-se duas respostas a esse respeito: “não tenho tempo de refletir teoricamente, pela quantidade de demandas, com isso acabo fazendo atividades que não são atribuições do serviço social”; “visitas para “vender” curso”, referindo-se aos cursos oferecidos pela unidade e à necessidade de preencher as vagas disponibilizadas aos usuários e que tal atividade está ligada ao “sistema de metas”.  Aqui destacam-se pelo menos duas questões: primeiro, a referência à quantidade de demandas e a prioridade dada pelos assistentes sociais na assistência, como pode ser observado, ao atendimento individual; e segundo, que o fato de ter de “vender os cursos da unidade”, na medida em que possibilita a presença do assistente social junto aos usuários em situações mais favoráveis, ou seja, nos seus espaços de moradia, pode se constituir num espaço potencialmente favorável para democratização de informações, ao se abordar os cursos, suas finalidades e objetivos na relação com a política de assistência social.  
Todos os assistentes sociais consideram importante a delimitação de atribuições privativas. Para 5, caso não haja essa delimitação, eles são explorados e vão fazer de tudo na unidade; para 3 essa delimitação garante a profissão e a caracteriza; para 2 é importante porque existe uma formação específica e para 2 é importante para haver um norte, para os profissionais saberem o que fazer.  Ou seja, por um lado, a maioria espera que a lei garanta a existência da própria profissão e os proteja diante das requisições institucionais, sendo que para 2 a lei pode indicar o que fazer, o que pode resultar na não necessidade de planejar a inserção profissional, tendo em vista finalidades e objetivos a alcançar.
Ao serem perguntados sobre atividades que são realizadas somente pelo assistente social na unidade, um assistente social respondeu “abordagem de rua”, o que está previsto na Política Nacional de Assistência Social. A maioria dos assistentes sociais faz referência a atividades elencadas no âmbito das competências profissionais, ou seja, não privativas do assistente social, como: III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população (9); VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais (3); XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (2). No domínio das atribuições privativas, sete assistentes sociais referem-se a (item IV) realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social e 1 fez referência ao item VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social, o que reflete a realidade das unidades estudadas que em sua maioria não conta com estagiários, o que pode denotar a distância dos profissionais com relação à formação permanente. Afinal, o processo de supervisão pode favorecer a formação permanente diante da possibilidade de contato com a universidade/produção de conhecimento. Por outro lado, essa é uma questão que denota as dificuldades dos assistentes sociais com a Lei de Regulamentação visto que, no que concerne às atribuições privativas do assistente social (Art. 5º da Lei), nenhum dos seus XIII itens faz referência aos serviços prestados aos trabalhadores/usuários, seja nas instituições sócio assistenciais nos diferentes poderes da República e instâncias de governo, seja na iniciativa privada (empresas, ONGs etc.). 
Sobre atividades que podem ser desenvolvidas tanto pelo assistente social quanto por outros profissionais na instituição, todos os profissionais fazem referência a atividades elencadas como competências profissionais previstas na Lei (Art.4º) como: III- encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; e V- orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos. Três (3) assistentes sociais referem-se ao item VI: planejar, organizar e administrar benefícios/Serviços Sociais.
Para 7 assistentes sociais, são atribuições privativas aquelas “atribuições exclusivas do assistente social”; para 2, são atribuições demandadas e 3 indicaram como atribuições privativas atividades que realizam como: “atendimento individual, reuniões, visitas domiciliares, visitas institucionais”. Estas se são atividades historicamente desenvolvidas por assistentes sociais, não integram o Artigo 5º da Lei. Observa-se que se a maioria considera atribuições privativas como aquilo que somente o assistente social pode realizar, por outro lado fica explícito que os mesmos assistentes sociais consideram atividades comuns a todos os profissionais as mesmas atividades que dizem ser exclusivas. Por outro lado, são 2 os assistentes sociais que consideram atribuições privativas “o que é demandado”, podendo aqui ser incluído tanto o que é requisitado pela instituição como pelo usuário. 
   A respeito das competências que o AS deve ter para realizar com qualidade suas atribuições privativas, 8 profissionais indicam a “necessidade de boa formação”, escrita, escuta e leitura. Entretanto, observa-se nas respostas que a maioria dos profissionais não participa de congressos científicos, não realiza leituras relacionadas à profissão e quando leem são textos/cartilhas relacionados a atividades ou programas que estão executando naquele momento, ou seja, leituras pontuais. Quatro profissionais consideram importante “olhar a realidade de forma crítica”, “ter uma boa leitura da mesma”; dois referem-se à “importância do conhecimento sobre a profissão”, “saber discernir o papel do assistente social”. Um assistente social considera importante a “necessidade do sigilo e a neutralidade na hora do atendimento”. São respostas que revelam o desconhecimento, por parte desses profissionais, da necessidade de teoria para se fazer Serviço Social. Ou seja, como explicitado pelo projeto de formação da ABEPSS, a necessidade de referências ético-políticas seguras, assentadas na teoria necessária para a transformação dos princípios elencados no Código de Ética do assistente social em objetivos a serem alcançados no cotidiano profissional. (Ver Vasconcelos, 2015, capítulo 1 e 2).
Quanto à avaliação das condições de trabalho, que influenciam diretamente o fazer e o pensar profissional, a maioria dos assistentes sociais (8) considera péssimas. Para 4, as condições são boas, entretanto, longe do ideal. Na observação de campo, pudemos perceber que a maioria dos prédios que abrigam CRAS e CREAS são cedidos à prefeitura ou alugados; são espaços improvisados que não foram projetados para o desenvolvimento das atividades e também não receberam reformas por parte da prefeitura/SMAS, visando mudanças que favoreçam a qualificação dos serviços prestados.
Questionados se a precariedade do ambiente interfere na rotina de trabalho, 10 dos profissionais responderam que sim e 2 afirmaram não influenciar. Observa-se que os profissionais não dispõem de computadores em número suficiente, de acesso à internet, de espaço para realização de reunião ou outras atividades. Faltam recursos humanos e até mesmo móveis como mesas e cadeiras, a equipe tendo de frequentemente improvisar para garantir o mínimo aos usuários, o que certamente interfere na rotina. Apesar destas questões, observou-se um fatalismo diante dessa situação e ausência de planejamento tendo em vista definir estratégias e ações diante das possibilidades, ainda que parcas.    Diante desse quadro, se por um lado 7 profissionais afirmam não ter condições objetivas para garantir o sigilo dos atendimentos, 5 afirmaram conseguir mantê-lo. A realidade mostra que o sigilo na maioria das unidades é praticamente inexistente, o que nos leva a considerar que a opção pelo atendimento através de reunião – deixando as entrevistas somente para as situações em que o próprio usuário solicite -, talvez fosse uma estratégia que pudesse, no quadro que se apresenta, uma escolha favorável à garantia de qualidade nos atendimentos. Mas, uma das questões mais relevantes observadas na pesquisa é que grande parte dos assistentes sociais não realiza reuniões com os usuários, mesmo quando são eles que articulam os encontros coletivos, em grande parte tendo a coordenação delegada a outros profissionais. Ainda que problemático, não estamos neste momento colocando em questão o conteúdo das reuniões.  
Em relação ao estresse no trabalho, 10 ASs se consideram estressados. Para 2, esse quadro não influencia seu nível de stress.  Destacam-se entre as razões para o alto nível de estresse: a burocratização das atividades; a falta de condições materiais; as metas impostas aos profissionais sem serem consideradas as demandas dos usuários. Uma questão relevante é que muitos profissionais relatam casos de doenças adquiridas/desenvolvidas devido à sua rotina de trabalho: elevação da pressão arterial, crises de ansiedade etc..
Com relação ao planejamento da atuação profissional, 10 ASs declaram planejar com agendas, calendários marcados nos computadores ou celulares e 2 afirmam não realizar nenhum tipo de planejamento ou preparação das atividades profissionais. Na verdade, o planejamento é entendido como anotações de horários em agendas e não uma atividade que, envolvendo estudos, pesquisas, levantamentos, resulte numa atividade profissional pensada, ou seja, atividade crítica, criativa, propositiva e avaliada nas suas consequências. (Ver Vasconcelos, 2015, capítulos 1 e 3).
Quanto aos objetivos institucionais, 4 ASs fazem referência a programas e abordam o combate à pobreza e a garantia do acesso a Política de assistência social; 3 afirmam que o objetivo é o “atendimento às famílias em situação vulnerável”, “realizar a promoção social”, “fazer o acompanhamento do programa de atenção integral a família (PAIF)” e “prevenir vícios”; 2 referem-se ao “atendimento à população como um todo” e a “famílias e indivíduos com direitos violados”; 1 a inscrição no Cadastro Único; 1 “escuta ao usuário” e “favorecimento do mesmo”; 1 não faz referência a objetivos.  Indagados sobre os objetivos institucionais, observa-se que os profissionais não se mostraram críticos ao que lhes é solicitado realizar, e, sem fazer referência aos princípios e objetivos da LOAS, limitam-se a algumas questões apontadas no site da Prefeitura explicita com relação à política de assistência social do município[1]. O mesmo acontece a respeito do que pretendem como assistentes sociais na unidade: 5 respondem que o objetivo é garantir o acesso dos usuários à política pública e a inclusão produtiva; 4 pretendem realizar um atendimento humanizado, que respeite as individualidades e faça com que os usuários participem; 3 têm como objetivo “compreender demandas não explicitadas” e buscar boas relações entre os profissionais.
Quando perguntados se seus objetivos são próximos dos objetivos institucionais, a maioria dos ASs (7) indica alguma proximidade sinalizando que buscam “dar tom crítico aos objetivos institucionais” e que a instituição atropela os objetivos profissionais na medida em que faltam recursos; para 4, os objetivos são próximos, pois acreditam que “ambos visam a garantia de direitos e um melhor atendimento aos usuários”. Somente 1 AS afirma não existir proximidades. Observam-se concordância e priorização dos objetivos institucionais, mas, considerando a direção do projeto profissional, temos de considerar que as instituições na sociedade capitalista – ainda que permeadas pela contradição de interesses capital/trabalho - são criadas tendo em vista favorecer interesses de acumulação e controle dos trabalhadores e, nesses sentidos, só aparentemente os objetivos institucionais podem ter proximidade com as necessidades e objetivos dos trabalhadores na busca por emancipação.
Apesar de apontarem dificuldades diante de diferentes vínculos empregatícios, intensas jornadas de trabalho, doenças relacionadas ao estresse, dentre outras coisas, em meio a péssimas condições de trabalho e estresse, a maioria dos assistentes sociais (8) entrevistados, contraditoriamente, consideram-se realizados em seu trabalho; 7 possuem especialização completa, 2 permaneceram com a graduação; 3 iniciaram especialização.

Considerações Finais
            Neste espaço exíguo, temos como objetivo dar início à problematização das questões que a investigação em andamento tem nos revelado.
Apesar dos profissionais afirmarem conhecer a Lei de Regulamentação, observa-se no conjunto das respostas que eles não estão se colocando criticamente diante dela com vista identificar, dentre as atividades que realizam, as atribuições e as competências profissionais e as diferenças entre elas. Assim, observa-se profissionais fragilizados frente aos outros profissionais que compõem a equipe na área da assistência social e frente aos próprios usuários, não usufruindo da formação permanente no enfrentamento dos desafios colocados aos assistentes sociais no cotidiano da prática - metas institucionais, condições de trabalho, falta de recursos, perfil dos usuários etc. etc. - tendo em vista práticas na direção dos interesses e necessidades dos trabalhadores/usuários.
Neste contexto, observa-se que os profissionais equalizam os objetivos profissionais aos objetivos institucionais; mesmo não possuindo projeto de intervenção – nem do Serviço Social como um todo, nem projeto pessoal/equipe -, eles afirmam realizar planejamento, o que revela um desconhecimento do que é uma prática planejada e avaliada nas suas consequências, o que exige investigação e antecipação da atividade profissional, individual e coletiva. O fato de a maioria já ter concluído alguma especialização, relacionado ao que é colocado como obstáculo no cotidiano profissional por esses assistentes sociais, pode estar indicando que tanto a bibliografia acessada como os próprios cursos de especialização não estão tematizando os desafios colocados aos profissionais/equipes, nem as alternativas contidas no conflituoso e complexo cotidiano institucional/profissional, o que exige tomar esse cotidiano como objeto de investigação e análise teórico-crítica.
Estudos realizados no âmbito do Núcleo onde esta pesquisa está sendo realizada têm revelado questões que podem nos levar a entender esse estado de coisas: uma queixa recorrente dos assistentes sociais quando retornam à universidade é que os cursos se dão nos mesmos moldes da graduação, sem conexões e relações necessárias com a realidade profissional e com o próprio Serviço Social. Neste contexto, a maioria dos assistentes sociais não realiza uma escolha consciente do que identifica como “projeto ético político do Serviço Social brasileiro”, fazendo referência a ele como uma coisa imposta porque consta no Código de Ética ou como uma coisa utópica, sem possibilidade de realização no cotidiano profissional, ou como se ao escolher alguns dos princípios do Código o assistente sociail estivesse mecanicamente favorecendo os trabalhadores. Como afirma Vasconcelos (2015, 1.4), os onze princípios do Código só garantem uma direção social que favoreça os trabalhadores apreendidos como “totalidade orgânica”, com pena de, apreendidos sem unidade entre eles, remeter os assistentes sociais a uma direção social reformista – na busca de humanização do capitalismo, por exemplo. Para a autora,
O que está em questão é que, se não podemos como assalariados que somos escolher nem nossa inserção profissional, nem os recursos necessários à operacionalização das nossas atividades e ações, podemos, a partir da legitimidade que temos na ocupação desse espaço profissional, fazermos opções e escolhas, ao longo da atuação profissional. Processo que, tendo em vista processos emancipatórios, exige planejamento e avaliação das consequências da atividade profissional, o que significa prática mediada por teoria, acumu­lação de forças, persistência, estabelecimento de relações com outros es­paços e sujeitos, individuais e coletivos, poderosamente mobilizados e organizados, tendo em vista fortalecer e multiplicar as consequências das nossas ações favoráveis aos trabalhadores (p.103).

É neste contexto que a sistematização da experiência coletiva dos assistentes sociais e elaboração teórica dela com vistas à orientação e condução de um exercício profissional mediado pelo projeto sempre se colocou como essencial e torna-se, hoje em dia, crucial na manutenção da sua hegemonia na categoria dos assistentes sociais.

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[1] Objetivos institucionais, ver http://www.rio.rj.gov.br/web/smds/exibeconteudo?id=2813679. Consulta em maio de 2015.