sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

1º Trabalho aprovado no ENPESS ( Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social)

SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
Exercício profissional, competências, atribuições e condições de trabalho.

RESUMO: Realizamos uma primeira aproximação sobre a realidade dos assistentes sociais nas unidades sócio assistenciais do município do Rio de Janeiro, a partir de uma investigação em profundidade que se encontra em fase de coleta de dados. Identificamos uma prioridade dada pelos profissionais ao atendimento individual de indivíduos/famílias; precárias condições de trabalho na maioria das unidades que revela os impactos do desmonte das políticas sociais e a desvalorização dos trabalhadores da política de Assistência Social, o que dificulta ainda mais a possibilidade de transformação desta em direito social e dever do Estado e como caminho para preparação de processos de ruptura.

PALAVRAS CHAVE: Serviço Social; Assistência Social, Prática profissional, condições de trabalho, emancipação.

ABSTRACT: We performed a first approximation on the reality of the social workers in social and welfare units of the municipality of Rio de Janeiro, from an in-depth investigation which is at the stage of data collection. We identify a priority given by professionals to individual care individuals and families; precarious working conditions in most of the units that reveals the impact of disassemble of social policies and the devaluation of the employees of Social welfare policy, which complicates even more the possibility of this transformation in social right and duty of the State and as a way for preparation of rupture processes.
KEYWORDS: Social service; Social assistance, professional practice, working conditions, emancipation.



INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de investigação financiada pelo CNPq/FAPERJ e desenvolvida em uma universidade pública. Parte da hipótese que os assistentes sociais (ASs) não estão conseguindo identificar e realizar possibilidades de práticas contidas na realidade na direção dos interesses dos trabalhadores, em consonância com o que expressa o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro (ver, Vasconcelos, 2015, 1.4), para além das necessárias respostas às requisições institucionais pela viabilização burocrática e condicional das políticas sociais/serviços sócio assistenciais.
Nossos estudos tomam como objeto a realidade sócio profissional dos diversos campos de atuação dos assistentes sociais, buscando compreender o sentido/direção social do exercício profissional, frente à proposta neoliberal que, sistematicamente, vem realizando o desmonte do tripé da seguridade social (saúde, previdência e assistência), ao tratar como mercadoria os direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988.
No momento, estamos em fase de coleta de dados, na área da Assistência Social/RJ, mais especificamente, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) e Centros de População de Rua (centros POP), que compõe a reconstrução empírica do objeto que vem sendo realizada, desde 2002, nas demais áreas de atuação profissional.
A coleta de dados é feita através de entrevista em profundidade com assistentes sociais que realizam reuniões com usuários; sistematização de três reuniões realizada por cada profissional entrevistado e observação registrada em Diário de Campo.
Neste trabalho, realizamos uma primeira aproximação do tema a partir de 12 entrevistas com assistentes sociais, dando destaque, dentre 235 variáveis, a vinte e duas que abordam legislação profissional, competências e atribuições profissionais e condições de trabalho, cotejadas com a observação de campo. Ressaltamos que dos 12 ASs entrevistados, somente 5 permitiram tanto a realização da entrevista como a sistematização das reuniões, aos quais desde já agradecemos a contribuição em busca de uma atuação mediada pelo projeto profissional.
Aos assistentes sociais que escolhem o projeto profissional apreendido em articulação a um projeto de sociedade emancipatório, torna-se essencial compreender como os assistentes sociais brasileiros vêm atuando em meio às contradições da sociedade capitalista que resultam em demandas por emancipação e requisições institucionais por controle, manipulação e desinformação dos trabalhadores ocupados e desocupados, muito aquém de requisições pela garantia dos direitos sociais e econômicos garantidos pela democracia burguesa na Constituição de 1988, direitos que entendemos – na contradição capital-trabalho - essenciais à garantia da vida que permite aos trabalhadores se inserirem na luta por uma humanidade emancipada.
Destacamos que, por um lado, na vigência de um Código de Ética, de uma Lei que regulamenta a profissão, de Diretrizes Curriculares da ABEPSS que iluminam a formação de um intelectual com capacidade de uma análise social mediada pela crítica da economia política – Diretrizes que convivem em conflito e disputa com as Diretrizes Curriculares oficias do MEC para o Serviço Social -, de um poderoso movimento de organização política da categoria que envolve o conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO, de práticas e de uma produção de conhecimento da área de Serviço Social, conjunto, em movimento permanente, que ainda expressa o que denominamos projeto ético-político do Serviço Social brasileiro articulado aos interesses históricos dos trabalhadores, e por outro lado, diante de um processo de formação massificado através de cursos à distância, do desmonte da restrita Seguridade Social brasileira – que resulta em serviços sócio assistenciais miseráveis para miseráveis e que remete os assistentes sociais a atuarem juntos aos trabalhadores a partir de recursos exíguos e em péssimas condições de trabalho e remuneração -, dentre tantas outras coisas, a categoria dos assistentes sociais não vem conseguindo superar a tendência ao conservadorismo que, dialeticamente, expressa o conservadorismo e a alienação presentes nas relações sociais capitalistas, no exercício e na formação profissional, o que vem colocando em cheque a tão propalada hegemonia do projeto de profissão expressa por sua defesa, pelo menos em tese, por parte da maioria dos assistentes sociais brasileiros. Assim vejamos.

1- Política Pública de Assistência Social e Serviço Social.
            O sistema capitalista desde seu surgimento, que sucedeu na virada do século XVIII para o século XIX no ocidente, vem passando por diversas transformações. Devido a seus moldes de produção através da exploração do trabalho e da concentração de propriedade e riqueza socialmente produzida, o capitalismo tem como traço inevitável crises que, diante de uma estrutura contraditória, exigem do sistema reinventar-se e ampliar-se constantemente. A partir dos anos 1970, é o neoliberalismo, que no Brasil, desde início da década de 1990, segue se aprofundando cada vez mais, que vem em socorro da sobrevivência do sistema. Neste modelo econômico e político, o mercado é exaltado e é retirado do Estado o poder de intervenção/regulação, o que resulta em um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital. Como afirmam Netto&Braz, “o capitalismo contemporâneo particulariza-se pelo fato de, nele, o capital estar destruindo as regulações que lhe foram impostas como resultados das lutas do movimento operário e das camadas trabalhadoras” (2006, pg.225, negrito dos autores).  Ver, dentre outros, Harvey, 2011 e Netto&Braz, 2006, capítulos 7, 8, 9)  
Como não poderia deixar de ser, num contexto em que todas as instâncias da vida social estão submetidas à lógica do grande capital, tem vigência o aprofundamento da precarização das políticas sociais (recursos, serviços, condições de trabalho e assalariamento etc.) e da formação dos profissionais de nível superior, o que atinge, em cheio, os assistentes sociais.
Tanto as Universidades públicas quanto as privadas estão atravessadas pela lógica da produtividade, pelas graduações e pós-graduações rápidas (centradas na técnica/especialização), sem preocupação com a formação de intelectuais, ricos subjetivamente, tendo em vista a prestação de serviços, produção e democratização dos conhecimentos necessários à sociedade que as sustentam. É neste contexto que, transformada em mercadoria, a formação graduada vem se operando, especialmente no Serviço Social, através de cursos à distância, os quais vêm crescendo de forma desenfreada, em diferentes áreas, concomitante a um adestramento através da proliferação de escolas técnicas que barram parte expressiva da juventude brasileira de usufruir de espaços que, por excelência deveriam articular de forma indissociável ensino-pesquisa-extensão. Um estado de coisas que vem favorecendo o adestramento e não a formação acadêmico-profissional de gerações inteiras submissas aos interesses do capital/burguesia, nacional e internacional, impedidas que são de, numa perspectiva de totalidade, se colocar criticamente frente ao que o capitalismo fez delas, em busca de articulação de princípios ético-políticos emancipatórios e referências teórico-metodológicas necessárias à transformação desses princípios em objetivos a serem alcançados no cotidiano da prática profissional e consequentemente da vida, em busca de participar conscientemente da sociedade a qual pertencem.
Esta realidade impacta profundamente os assistentes sociais, profissionais que são chamados, pelo capital, a obscurecer a origem das diferentes expressões da questão social, através da intervenção direta ou indireta na vida de diferentes segmentos da classe trabalhadora, de forma individual (entrevista, visitas domiciliares etc.) ou coletiva (reuniões, assembleias etc.), viabilizando e/ou negando acesso a serviços sócio assistenciais garantidos na vigência da democracia burguesa, tendo em vista, controle e manipulação dos trabalhadores ocupados e desocupados. Neste contexto, uma formação graduada e permanente, centrada no acesso teórico-crítico à produção de conhecimento disponível até aquele momento histórico, em especial a produção de conhecimento da área de Serviço Social e áreas afins, pode influenciar as possibilidades concretas de, individual e coletivamente, os assistentes sociais, pela mesma ação, favorecerem mais ao trabalho – em consonância com o projeto profissional – do que ao capital - como é de interesse do projeto de dominação burguês, em busca da manutenção de um sistema centrado na exploração do trabalho, concentração de propriedade e riqueza socialmente produzida. (Ver Iamamoto. In, Iamamoto&Carvalho, 1982, Parte 1). 
      Como um trabalhador assalariado, apesar de possuir uma autonomia relativa, o assistente social (AS) está exposto às determinações dos seus empregadores, sendo o Estado o maior empregador no Brasil, o que traz à tona um impasse ao profissional que toma o projeto ético-politico da profissão como referência, pois o Estado é o maior violador de direitos dos trabalhadores. Sendo assim, é requisitado do profissional que escolhe conscientemente articular sua atuação profissional aos interesses históricos dos trabalhadores, uma formação teórico-crítica, graduada e permanente, que não determina caminhos, mas pode iluminar a construção e viabilização dos caminhos a serem trilhados nessa direção.
            Neste processo, o planejamento é central, visto que uma prática em que o assistente social se coloque como sujeito junto aos trabalhadores considerados e presentes como sujeitos exige “prática mediada por teoria, acumu­lação de forças, persistência, estabelecimento de relações com outros es­paços e sujeitos, individuais e coletivos, poderosamente mobilizados e organizados, tendo em vista fortalecer e multiplicar as consequências das nossas ações favoráveis aos trabalhadores”. (Ver Vasconcelos, 2015, 1.4.2 e capítulo 3).
É neste contexto, abordado de forma breve e superficial tendo em vista os objetivos deste trabalho, que vamos buscar apreender o cotidiano profissional dos ASs em busca de tendências e possibilidades de atuação em consonância com as finalidades e objetivos emancipatórios, neste momento, priorizando o exercício profissional na política de Assistência Social.
Em 1942, como ação caritativa, sob a direção de Darcy Vargas, se efetiva através da Liga Brasileira de Assistência Social (LBA), de caráter público privado, ações clientelistas, pontuais e conservadoras que marcaram a Assistência Social no Brasil até que, com a Constituição de 1988, esta política, legalmente, torna-se política pública e de direito, constituindo o tripé da Seguridade Social.  Em 1993, a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) estabelece as normas e critérios necessários para a prestação da Assistência Social como direito, centrada em mínimos sociais, e política não exclusiva do Estado, como consta no artigo primeiro da LOAS: “Art. 1º. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.” No Art. 2, constam em seus objetivos “I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Ou seja, centrada em mínimos sociais e como política não exclusiva do Estado – o que favorece a mercantilização da diminuição de miseráveis -, em momentos de desemprego estrutural (Mészáros, 2002), o único objetivo que poderia favorecer uma “porta de saída” - a promoção da integração ao mercado de trabalho - não tem expressão e nem é priorizado dentre os demais objetivos, o que só acontece via inserção dos trabalhadores miseráveis - apartados do altamente competitivo mercado de trabalho que, com a tecnificação da produção de bens e serviços e da financeirização da economia, leva o capitalismo a necessitar cada vez menos de trabalho vivo, mesmo que qualificado – em serviços pontuais e não garantidos socialmente (manicure, catador de lixo, vendedor ambulante etc. etc.).
A instituição, em 2005, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que organiza o funcionamento da assistência social pública, tendo em vista materializar a LOAS, ainda que amplie exponencialmente os serviços destinados à diminuição dos miseráveis – ou transformação de miseráveis em pobres – não torna possível a execução integral do que está garantido legalmente. Neste contexto, a Proteção Social Básica refere-se aos serviços de prevenção e a Proteção Social Especial presta atenção àqueles cujos direitos já foram violados. Com essa organização, o assistente social passa a compor equipes multiprofissionais, nos CRAS, CREAS e Centros POP, que se colocam frente às requisições institucionais por cadastro de toda população miserável e pobre e inserção daqueles que se encontram nos critérios delimitados pela política e seu cumprimento das condicionalidades para continuidade dos benefícios. A municipalização da atenção e criação de unidades em todo o país, que resultou na ampliação do mercado de trabalho para os assistentes sociais, vem favorecendo a equalização entre Serviço Social e assistência social. 

2- O exercício profissional na área da Assistência Social: primeira aproximação.
Na análise das respostas dos assistentes sociais, utilizaremos porcentagem com arredondamentos e números, para assegurar a contabilização do conteúdo das respostas.
Sobre a Lei de Regulamentação da profissão de Serviço Social, todos os profissionais afirmaram conhecê-la, o que demonstra que teoricamente os profissionais possuem a Lei n.8.662 (1993) como referência, ainda que com questionamento. As propostas de mudanças na lei podem estar revelando que esses profissionais tanto não têm clareza do que mudariam, como não têm uma avaliação política do que seria propor mudanças numa conjuntura que está impondo perdas imensas aos trabalhadores.
Metade dos profissionais afirma que todas as atividades que realizam estão previstas na Lei; a outra metade afirma que não. Destaca-se uma contradição a esse respeito visto que, ao serem perguntados sobre as atividades que realizam, 7 dos entrevistados abordam atividades que não estão previstas na Lei.
Sobre as atividades que realizam e que estão previstas na Lei: 3 profissionais não responderam; 7 fizeram referência a atribuições profissionais em geral como: planejar, organizar e administrar programas e projetos em unidade de serviço social /coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de serviço social; treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de serviço social; e 6 profissionais fizeram referência a competências profissionais em geral.         Sobre atividades que realizam e que não estão previstas na lei, 5 ASs não se manifestaram a respeito e 7 fazem referência a atividades diversas como: “não previstas pela política de assistência social” (2); atividades que “são de outros profissionais” (2); atividades administrativas, destacando-se o “preenchimento de cadastros” (2) e 2 dizem que realizam atividades não previstas, sem especificar. Destacam-se duas respostas a esse respeito: “não tenho tempo de refletir teoricamente, pela quantidade de demandas, com isso acabo fazendo atividades que não são atribuições do serviço social”; “visitas para “vender” curso”, referindo-se aos cursos oferecidos pela unidade e à necessidade de preencher as vagas disponibilizadas aos usuários e que tal atividade está ligada ao “sistema de metas”.  Aqui destacam-se pelo menos duas questões: primeiro, a referência à quantidade de demandas e a prioridade dada pelos assistentes sociais na assistência, como pode ser observado, ao atendimento individual; e segundo, que o fato de ter de “vender os cursos da unidade”, na medida em que possibilita a presença do assistente social junto aos usuários em situações mais favoráveis, ou seja, nos seus espaços de moradia, pode se constituir num espaço potencialmente favorável para democratização de informações, ao se abordar os cursos, suas finalidades e objetivos na relação com a política de assistência social.  
Todos os assistentes sociais consideram importante a delimitação de atribuições privativas. Para 5, caso não haja essa delimitação, eles são explorados e vão fazer de tudo na unidade; para 3 essa delimitação garante a profissão e a caracteriza; para 2 é importante porque existe uma formação específica e para 2 é importante para haver um norte, para os profissionais saberem o que fazer.  Ou seja, por um lado, a maioria espera que a lei garanta a existência da própria profissão e os proteja diante das requisições institucionais, sendo que para 2 a lei pode indicar o que fazer, o que pode resultar na não necessidade de planejar a inserção profissional, tendo em vista finalidades e objetivos a alcançar.
Ao serem perguntados sobre atividades que são realizadas somente pelo assistente social na unidade, um assistente social respondeu “abordagem de rua”, o que está previsto na Política Nacional de Assistência Social. A maioria dos assistentes sociais faz referência a atividades elencadas no âmbito das competências profissionais, ou seja, não privativas do assistente social, como: III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população (9); VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais (3); XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (2). No domínio das atribuições privativas, sete assistentes sociais referem-se a (item IV) realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social e 1 fez referência ao item VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social, o que reflete a realidade das unidades estudadas que em sua maioria não conta com estagiários, o que pode denotar a distância dos profissionais com relação à formação permanente. Afinal, o processo de supervisão pode favorecer a formação permanente diante da possibilidade de contato com a universidade/produção de conhecimento. Por outro lado, essa é uma questão que denota as dificuldades dos assistentes sociais com a Lei de Regulamentação visto que, no que concerne às atribuições privativas do assistente social (Art. 5º da Lei), nenhum dos seus XIII itens faz referência aos serviços prestados aos trabalhadores/usuários, seja nas instituições sócio assistenciais nos diferentes poderes da República e instâncias de governo, seja na iniciativa privada (empresas, ONGs etc.). 
Sobre atividades que podem ser desenvolvidas tanto pelo assistente social quanto por outros profissionais na instituição, todos os profissionais fazem referência a atividades elencadas como competências profissionais previstas na Lei (Art.4º) como: III- encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; e V- orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos. Três (3) assistentes sociais referem-se ao item VI: planejar, organizar e administrar benefícios/Serviços Sociais.
Para 7 assistentes sociais, são atribuições privativas aquelas “atribuições exclusivas do assistente social”; para 2, são atribuições demandadas e 3 indicaram como atribuições privativas atividades que realizam como: “atendimento individual, reuniões, visitas domiciliares, visitas institucionais”. Estas se são atividades historicamente desenvolvidas por assistentes sociais, não integram o Artigo 5º da Lei. Observa-se que se a maioria considera atribuições privativas como aquilo que somente o assistente social pode realizar, por outro lado fica explícito que os mesmos assistentes sociais consideram atividades comuns a todos os profissionais as mesmas atividades que dizem ser exclusivas. Por outro lado, são 2 os assistentes sociais que consideram atribuições privativas “o que é demandado”, podendo aqui ser incluído tanto o que é requisitado pela instituição como pelo usuário. 
   A respeito das competências que o AS deve ter para realizar com qualidade suas atribuições privativas, 8 profissionais indicam a “necessidade de boa formação”, escrita, escuta e leitura. Entretanto, observa-se nas respostas que a maioria dos profissionais não participa de congressos científicos, não realiza leituras relacionadas à profissão e quando leem são textos/cartilhas relacionados a atividades ou programas que estão executando naquele momento, ou seja, leituras pontuais. Quatro profissionais consideram importante “olhar a realidade de forma crítica”, “ter uma boa leitura da mesma”; dois referem-se à “importância do conhecimento sobre a profissão”, “saber discernir o papel do assistente social”. Um assistente social considera importante a “necessidade do sigilo e a neutralidade na hora do atendimento”. São respostas que revelam o desconhecimento, por parte desses profissionais, da necessidade de teoria para se fazer Serviço Social. Ou seja, como explicitado pelo projeto de formação da ABEPSS, a necessidade de referências ético-políticas seguras, assentadas na teoria necessária para a transformação dos princípios elencados no Código de Ética do assistente social em objetivos a serem alcançados no cotidiano profissional. (Ver Vasconcelos, 2015, capítulo 1 e 2).
Quanto à avaliação das condições de trabalho, que influenciam diretamente o fazer e o pensar profissional, a maioria dos assistentes sociais (8) considera péssimas. Para 4, as condições são boas, entretanto, longe do ideal. Na observação de campo, pudemos perceber que a maioria dos prédios que abrigam CRAS e CREAS são cedidos à prefeitura ou alugados; são espaços improvisados que não foram projetados para o desenvolvimento das atividades e também não receberam reformas por parte da prefeitura/SMAS, visando mudanças que favoreçam a qualificação dos serviços prestados.
Questionados se a precariedade do ambiente interfere na rotina de trabalho, 10 dos profissionais responderam que sim e 2 afirmaram não influenciar. Observa-se que os profissionais não dispõem de computadores em número suficiente, de acesso à internet, de espaço para realização de reunião ou outras atividades. Faltam recursos humanos e até mesmo móveis como mesas e cadeiras, a equipe tendo de frequentemente improvisar para garantir o mínimo aos usuários, o que certamente interfere na rotina. Apesar destas questões, observou-se um fatalismo diante dessa situação e ausência de planejamento tendo em vista definir estratégias e ações diante das possibilidades, ainda que parcas.    Diante desse quadro, se por um lado 7 profissionais afirmam não ter condições objetivas para garantir o sigilo dos atendimentos, 5 afirmaram conseguir mantê-lo. A realidade mostra que o sigilo na maioria das unidades é praticamente inexistente, o que nos leva a considerar que a opção pelo atendimento através de reunião – deixando as entrevistas somente para as situações em que o próprio usuário solicite -, talvez fosse uma estratégia que pudesse, no quadro que se apresenta, uma escolha favorável à garantia de qualidade nos atendimentos. Mas, uma das questões mais relevantes observadas na pesquisa é que grande parte dos assistentes sociais não realiza reuniões com os usuários, mesmo quando são eles que articulam os encontros coletivos, em grande parte tendo a coordenação delegada a outros profissionais. Ainda que problemático, não estamos neste momento colocando em questão o conteúdo das reuniões.  
Em relação ao estresse no trabalho, 10 ASs se consideram estressados. Para 2, esse quadro não influencia seu nível de stress.  Destacam-se entre as razões para o alto nível de estresse: a burocratização das atividades; a falta de condições materiais; as metas impostas aos profissionais sem serem consideradas as demandas dos usuários. Uma questão relevante é que muitos profissionais relatam casos de doenças adquiridas/desenvolvidas devido à sua rotina de trabalho: elevação da pressão arterial, crises de ansiedade etc..
Com relação ao planejamento da atuação profissional, 10 ASs declaram planejar com agendas, calendários marcados nos computadores ou celulares e 2 afirmam não realizar nenhum tipo de planejamento ou preparação das atividades profissionais. Na verdade, o planejamento é entendido como anotações de horários em agendas e não uma atividade que, envolvendo estudos, pesquisas, levantamentos, resulte numa atividade profissional pensada, ou seja, atividade crítica, criativa, propositiva e avaliada nas suas consequências. (Ver Vasconcelos, 2015, capítulos 1 e 3).
Quanto aos objetivos institucionais, 4 ASs fazem referência a programas e abordam o combate à pobreza e a garantia do acesso a Política de assistência social; 3 afirmam que o objetivo é o “atendimento às famílias em situação vulnerável”, “realizar a promoção social”, “fazer o acompanhamento do programa de atenção integral a família (PAIF)” e “prevenir vícios”; 2 referem-se ao “atendimento à população como um todo” e a “famílias e indivíduos com direitos violados”; 1 a inscrição no Cadastro Único; 1 “escuta ao usuário” e “favorecimento do mesmo”; 1 não faz referência a objetivos.  Indagados sobre os objetivos institucionais, observa-se que os profissionais não se mostraram críticos ao que lhes é solicitado realizar, e, sem fazer referência aos princípios e objetivos da LOAS, limitam-se a algumas questões apontadas no site da Prefeitura explicita com relação à política de assistência social do município[1]. O mesmo acontece a respeito do que pretendem como assistentes sociais na unidade: 5 respondem que o objetivo é garantir o acesso dos usuários à política pública e a inclusão produtiva; 4 pretendem realizar um atendimento humanizado, que respeite as individualidades e faça com que os usuários participem; 3 têm como objetivo “compreender demandas não explicitadas” e buscar boas relações entre os profissionais.
Quando perguntados se seus objetivos são próximos dos objetivos institucionais, a maioria dos ASs (7) indica alguma proximidade sinalizando que buscam “dar tom crítico aos objetivos institucionais” e que a instituição atropela os objetivos profissionais na medida em que faltam recursos; para 4, os objetivos são próximos, pois acreditam que “ambos visam a garantia de direitos e um melhor atendimento aos usuários”. Somente 1 AS afirma não existir proximidades. Observam-se concordância e priorização dos objetivos institucionais, mas, considerando a direção do projeto profissional, temos de considerar que as instituições na sociedade capitalista – ainda que permeadas pela contradição de interesses capital/trabalho - são criadas tendo em vista favorecer interesses de acumulação e controle dos trabalhadores e, nesses sentidos, só aparentemente os objetivos institucionais podem ter proximidade com as necessidades e objetivos dos trabalhadores na busca por emancipação.
Apesar de apontarem dificuldades diante de diferentes vínculos empregatícios, intensas jornadas de trabalho, doenças relacionadas ao estresse, dentre outras coisas, em meio a péssimas condições de trabalho e estresse, a maioria dos assistentes sociais (8) entrevistados, contraditoriamente, consideram-se realizados em seu trabalho; 7 possuem especialização completa, 2 permaneceram com a graduação; 3 iniciaram especialização.

Considerações Finais
            Neste espaço exíguo, temos como objetivo dar início à problematização das questões que a investigação em andamento tem nos revelado.
Apesar dos profissionais afirmarem conhecer a Lei de Regulamentação, observa-se no conjunto das respostas que eles não estão se colocando criticamente diante dela com vista identificar, dentre as atividades que realizam, as atribuições e as competências profissionais e as diferenças entre elas. Assim, observa-se profissionais fragilizados frente aos outros profissionais que compõem a equipe na área da assistência social e frente aos próprios usuários, não usufruindo da formação permanente no enfrentamento dos desafios colocados aos assistentes sociais no cotidiano da prática - metas institucionais, condições de trabalho, falta de recursos, perfil dos usuários etc. etc. - tendo em vista práticas na direção dos interesses e necessidades dos trabalhadores/usuários.
Neste contexto, observa-se que os profissionais equalizam os objetivos profissionais aos objetivos institucionais; mesmo não possuindo projeto de intervenção – nem do Serviço Social como um todo, nem projeto pessoal/equipe -, eles afirmam realizar planejamento, o que revela um desconhecimento do que é uma prática planejada e avaliada nas suas consequências, o que exige investigação e antecipação da atividade profissional, individual e coletiva. O fato de a maioria já ter concluído alguma especialização, relacionado ao que é colocado como obstáculo no cotidiano profissional por esses assistentes sociais, pode estar indicando que tanto a bibliografia acessada como os próprios cursos de especialização não estão tematizando os desafios colocados aos profissionais/equipes, nem as alternativas contidas no conflituoso e complexo cotidiano institucional/profissional, o que exige tomar esse cotidiano como objeto de investigação e análise teórico-crítica.
Estudos realizados no âmbito do Núcleo onde esta pesquisa está sendo realizada têm revelado questões que podem nos levar a entender esse estado de coisas: uma queixa recorrente dos assistentes sociais quando retornam à universidade é que os cursos se dão nos mesmos moldes da graduação, sem conexões e relações necessárias com a realidade profissional e com o próprio Serviço Social. Neste contexto, a maioria dos assistentes sociais não realiza uma escolha consciente do que identifica como “projeto ético político do Serviço Social brasileiro”, fazendo referência a ele como uma coisa imposta porque consta no Código de Ética ou como uma coisa utópica, sem possibilidade de realização no cotidiano profissional, ou como se ao escolher alguns dos princípios do Código o assistente sociail estivesse mecanicamente favorecendo os trabalhadores. Como afirma Vasconcelos (2015, 1.4), os onze princípios do Código só garantem uma direção social que favoreça os trabalhadores apreendidos como “totalidade orgânica”, com pena de, apreendidos sem unidade entre eles, remeter os assistentes sociais a uma direção social reformista – na busca de humanização do capitalismo, por exemplo. Para a autora,
O que está em questão é que, se não podemos como assalariados que somos escolher nem nossa inserção profissional, nem os recursos necessários à operacionalização das nossas atividades e ações, podemos, a partir da legitimidade que temos na ocupação desse espaço profissional, fazermos opções e escolhas, ao longo da atuação profissional. Processo que, tendo em vista processos emancipatórios, exige planejamento e avaliação das consequências da atividade profissional, o que significa prática mediada por teoria, acumu­lação de forças, persistência, estabelecimento de relações com outros es­paços e sujeitos, individuais e coletivos, poderosamente mobilizados e organizados, tendo em vista fortalecer e multiplicar as consequências das nossas ações favoráveis aos trabalhadores (p.103).

É neste contexto que a sistematização da experiência coletiva dos assistentes sociais e elaboração teórica dela com vistas à orientação e condução de um exercício profissional mediado pelo projeto sempre se colocou como essencial e torna-se, hoje em dia, crucial na manutenção da sua hegemonia na categoria dos assistentes sociais.

Bibliografia:
ABEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. Caderno ABEPSS nº 7, São Paulo: Cortez, 1997.
CFESS. Código de Ética do assistente social e Lei nº 8662/93, que regulamenta a profissão de Serviço Social. Brasília: CFESS, 1993.
CEFESS, ABEPSS. Serviço   Social, Direitos   Sociais   e   Competências Profissionais. Brasília: Cead/UnB/CFESS/ABEPSS, 2009.
HARVEY, David. O Enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Atribuições Privativas do(a) assistente social. Publicação do CFESS, Brasília, 1 edição ampliada, 2012.
IAMAMOTO, M.V. & CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez/CELATS, 1983. São Paulo, Expressão Popular, 1982.
NETTO & BRAZ, Economia Política. Uma introdução crítica. Biblioteca Básica de Serviço Social, nº1, São Paulo, Cortez, 2006.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Unicampo/Boitempo, 2002.
_________________. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005
VASCONCELOS, Ana Maria de; A/O assistente social na luta de classes. Projeto profissional e mediações teórico-práticas. São Paulo: Cortez, 2015.  




[1] Objetivos institucionais, ver http://www.rio.rj.gov.br/web/smds/exibeconteudo?id=2813679. Consulta em maio de 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário