SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA PÚBLICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL.
Exercício
profissional, competências, atribuições e condições de trabalho.
RESUMO:
Realizamos uma
primeira aproximação sobre a realidade dos assistentes sociais nas unidades sócio
assistenciais do município do Rio de Janeiro, a partir de uma investigação em
profundidade que se encontra em fase de coleta de dados. Identificamos uma
prioridade dada pelos profissionais ao atendimento individual de
indivíduos/famílias; precárias condições de trabalho na maioria das unidades
que revela os impactos do desmonte das políticas sociais e a desvalorização dos
trabalhadores da política de Assistência Social, o que dificulta ainda mais a
possibilidade de transformação desta em direito social e dever do Estado e como
caminho para preparação de processos de ruptura.
PALAVRAS
CHAVE: Serviço Social; Assistência Social, Prática
profissional, condições de trabalho, emancipação.
ABSTRACT: We
performed a first approximation on the reality of the social workers in social
and welfare units of the municipality of Rio de Janeiro, from an in-depth
investigation which is at the stage of data collection. We identify a priority given by
professionals to individual care individuals and families; precarious working conditions
in most of the units that reveals the impact of disassemble of social policies
and the devaluation of the employees of Social welfare policy, which
complicates even more the possibility of this transformation in social right
and duty of the State and as a way for preparation of rupture processes.
KEYWORDS: Social service; Social assistance, professional
practice, working conditions, emancipation.
INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de investigação financiada pelo CNPq/FAPERJ e desenvolvida em uma universidade pública. Parte da hipótese que os assistentes
sociais (ASs) não estão conseguindo identificar e realizar possibilidades de
práticas contidas na realidade na direção dos interesses dos trabalhadores, em
consonância com o que expressa o projeto ético-político do Serviço Social
brasileiro (ver, Vasconcelos, 2015, 1.4), para além das necessárias respostas às
requisições institucionais pela viabilização burocrática e condicional das
políticas sociais/serviços sócio assistenciais.
Nossos estudos tomam como objeto a realidade sócio profissional
dos diversos campos de atuação dos assistentes sociais, buscando compreender o
sentido/direção social do exercício profissional, frente à proposta neoliberal
que, sistematicamente, vem realizando o desmonte do tripé da seguridade social
(saúde, previdência e assistência), ao tratar como mercadoria os direitos
sociais garantidos na Constituição Federal de 1988.
No momento, estamos em fase de coleta de dados, na área
da Assistência Social/RJ, mais especificamente, nos Centros de Referência da
Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados em Assistência
Social (CREAS) e Centros de População de Rua (centros POP), que compõe a
reconstrução empírica do objeto que vem sendo realizada, desde 2002, nas demais
áreas de atuação profissional.
A coleta de dados é feita através de entrevista em
profundidade com assistentes sociais que realizam reuniões com usuários;
sistematização de três reuniões realizada por cada profissional entrevistado e
observação registrada em Diário de Campo.
Neste trabalho, realizamos uma primeira aproximação do
tema a partir de 12 entrevistas com assistentes sociais, dando destaque, dentre
235 variáveis, a vinte e duas que abordam legislação profissional, competências
e atribuições profissionais e condições de trabalho, cotejadas com a observação
de campo. Ressaltamos que dos 12 ASs entrevistados, somente
5 permitiram tanto a realização da entrevista como a sistematização das reuniões,
aos quais desde já agradecemos a contribuição em busca de uma atuação mediada
pelo projeto profissional.
Aos
assistentes sociais que escolhem o projeto profissional apreendido em
articulação a um projeto de sociedade emancipatório, torna-se essencial compreender
como os assistentes sociais brasileiros vêm atuando em meio às contradições da
sociedade capitalista que resultam em demandas por emancipação e requisições
institucionais por controle, manipulação e desinformação dos trabalhadores
ocupados e desocupados, muito aquém de requisições pela garantia dos direitos sociais
e econômicos garantidos pela democracia burguesa na Constituição de 1988, direitos
que entendemos – na contradição capital-trabalho - essenciais à garantia da
vida que permite aos trabalhadores se inserirem na luta por uma humanidade
emancipada.
Destacamos
que, por um lado, na vigência de um Código de Ética, de uma Lei que regulamenta
a profissão, de Diretrizes Curriculares da ABEPSS que iluminam a formação de um
intelectual com capacidade de uma análise social mediada pela crítica da
economia política – Diretrizes que convivem em conflito e disputa com as
Diretrizes Curriculares oficias do MEC para o Serviço Social -, de um poderoso
movimento de organização política da categoria que envolve o conjunto
CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO, de práticas e de uma produção de conhecimento da
área de Serviço Social, conjunto, em movimento permanente, que ainda expressa o
que denominamos projeto ético-político do Serviço Social brasileiro articulado
aos interesses históricos dos trabalhadores, e por outro lado, diante de um
processo de formação massificado através de cursos à distância, do desmonte da
restrita Seguridade Social brasileira – que resulta em serviços sócio assistenciais
miseráveis para miseráveis e que remete os assistentes sociais a atuarem juntos
aos trabalhadores a partir de recursos exíguos e em péssimas condições de
trabalho e remuneração -, dentre tantas outras coisas, a categoria dos
assistentes sociais não vem conseguindo superar a tendência ao conservadorismo
que, dialeticamente, expressa o conservadorismo e a alienação presentes nas
relações sociais capitalistas, no exercício e na formação profissional, o que
vem colocando em cheque a tão propalada hegemonia do projeto de profissão
expressa por sua defesa, pelo menos em tese, por parte da maioria dos
assistentes sociais brasileiros. Assim vejamos.
1- Política Pública de Assistência
Social e Serviço Social.
O sistema capitalista desde seu
surgimento, que sucedeu na virada do século XVIII para o século XIX no
ocidente, vem passando por diversas transformações. Devido a seus moldes de
produção através da exploração do trabalho e da concentração de propriedade e
riqueza socialmente produzida, o capitalismo tem como traço inevitável crises
que, diante de uma estrutura contraditória, exigem do sistema reinventar-se e
ampliar-se constantemente. A partir dos anos 1970, é o neoliberalismo, que no
Brasil, desde início da década de 1990, segue se aprofundando cada vez mais,
que vem em socorro da sobrevivência do sistema. Neste modelo econômico e político,
o mercado é exaltado e é retirado do Estado o poder de intervenção/regulação, o
que resulta em um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital. Como
afirmam Netto&Braz, “o capitalismo
contemporâneo particulariza-se pelo fato de, nele, o capital estar destruindo
as regulações que lhe foram impostas como resultados das lutas do movimento operário
e das camadas trabalhadoras” (2006, pg.225, negrito dos autores). Ver, dentre outros, Harvey, 2011 e
Netto&Braz, 2006, capítulos 7, 8, 9)
Como
não poderia deixar de ser, num contexto em que todas as instâncias da vida
social estão submetidas à lógica do grande capital, tem vigência o
aprofundamento da precarização das políticas sociais (recursos, serviços,
condições de trabalho e assalariamento etc.) e da formação dos profissionais de
nível superior, o que atinge, em cheio, os assistentes sociais.
Tanto
as Universidades públicas quanto as privadas estão atravessadas pela lógica da
produtividade, pelas graduações e pós-graduações rápidas (centradas na
técnica/especialização), sem preocupação com a formação de intelectuais, ricos
subjetivamente, tendo em vista a prestação de serviços, produção e
democratização dos conhecimentos necessários à sociedade que as sustentam. É
neste contexto que, transformada em mercadoria, a formação graduada vem se
operando, especialmente no Serviço Social, através de cursos à distância, os quais
vêm crescendo de forma desenfreada, em diferentes áreas, concomitante a um
adestramento através da proliferação de escolas técnicas que barram parte
expressiva da juventude brasileira de usufruir de espaços que, por excelência
deveriam articular de forma indissociável ensino-pesquisa-extensão. Um estado
de coisas que vem favorecendo o adestramento e não a formação acadêmico-profissional
de gerações inteiras submissas aos interesses do capital/burguesia, nacional e
internacional, impedidas que são de, numa perspectiva de totalidade, se colocar
criticamente frente ao que o capitalismo fez delas, em busca de articulação de
princípios ético-políticos emancipatórios e referências teórico-metodológicas
necessárias à transformação desses princípios em objetivos a serem alcançados
no cotidiano da prática profissional e consequentemente da vida, em busca de
participar conscientemente da sociedade a qual pertencem.
Esta
realidade impacta profundamente os assistentes sociais, profissionais que são
chamados, pelo capital, a obscurecer a origem das diferentes expressões da
questão social, através da intervenção direta ou indireta na vida de diferentes
segmentos da classe trabalhadora, de forma individual (entrevista, visitas
domiciliares etc.) ou coletiva (reuniões, assembleias etc.), viabilizando e/ou
negando acesso a serviços sócio assistenciais garantidos na vigência da
democracia burguesa, tendo em vista, controle e manipulação dos trabalhadores
ocupados e desocupados. Neste contexto, uma formação graduada e permanente,
centrada no acesso teórico-crítico à produção de conhecimento disponível até
aquele momento histórico, em especial a produção de conhecimento da área de
Serviço Social e áreas afins, pode influenciar as possibilidades concretas de,
individual e coletivamente, os assistentes sociais, pela mesma ação,
favorecerem mais ao trabalho – em consonância com o projeto profissional – do
que ao capital - como é de interesse do projeto de dominação burguês, em busca
da manutenção de um sistema centrado na exploração do trabalho, concentração de
propriedade e riqueza socialmente produzida. (Ver Iamamoto. In, Iamamoto&Carvalho,
1982, Parte 1).
Como um trabalhador assalariado, apesar
de possuir uma autonomia relativa, o assistente social (AS) está exposto às
determinações dos seus empregadores, sendo o Estado o maior empregador no
Brasil, o que traz à tona um impasse ao profissional que toma o projeto
ético-politico da profissão como referência, pois o Estado é o maior violador
de direitos dos trabalhadores. Sendo assim, é requisitado do profissional que
escolhe conscientemente articular sua atuação profissional aos interesses
históricos dos trabalhadores, uma formação teórico-crítica, graduada e
permanente, que não determina caminhos, mas pode iluminar a construção e
viabilização dos caminhos a serem trilhados nessa direção.
Neste processo, o planejamento é
central, visto que uma prática em que o assistente social se coloque como
sujeito junto aos trabalhadores considerados e presentes como sujeitos exige “prática mediada por teoria, acumulação de forças,
persistência, estabelecimento de relações com outros espaços e sujeitos,
individuais e coletivos, poderosamente mobilizados e organizados, tendo em
vista fortalecer e multiplicar as consequências das nossas ações favoráveis aos
trabalhadores”. (Ver Vasconcelos, 2015, 1.4.2 e capítulo 3).
É
neste contexto, abordado de forma breve e superficial tendo em vista os
objetivos deste trabalho, que vamos buscar apreender o cotidiano profissional
dos ASs em busca de tendências e possibilidades de atuação em consonância com
as finalidades e objetivos emancipatórios, neste momento, priorizando o
exercício profissional na política de Assistência Social.
Em
1942, como ação caritativa, sob
a direção de Darcy Vargas, se efetiva através da Liga Brasileira de Assistência
Social (LBA), de caráter público privado, ações clientelistas, pontuais e
conservadoras que marcaram a Assistência Social no Brasil até que, com a Constituição
de 1988, esta política, legalmente, torna-se política pública e de direito,
constituindo o tripé da Seguridade Social.
Em 1993, a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)
estabelece as normas e critérios necessários para a prestação da Assistência Social
como direito, centrada em mínimos sociais, e política não exclusiva do Estado,
como consta no artigo primeiro da LOAS: “Art. 1º. A assistência social, direito
do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva,
que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas.” No Art. 2, constam em seus objetivos “I - a proteção à
família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo
às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado
de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Ou
seja, centrada em mínimos sociais e como política não exclusiva do Estado – o
que favorece a mercantilização da diminuição de miseráveis -, em momentos de
desemprego estrutural (Mészáros, 2002), o único objetivo que poderia favorecer
uma “porta de saída” - a promoção da integração ao mercado de trabalho - não
tem expressão e nem é priorizado dentre os demais objetivos, o que só acontece
via inserção dos trabalhadores miseráveis - apartados do altamente competitivo
mercado de trabalho que, com a tecnificação da produção de bens e serviços e da
financeirização da economia, leva o capitalismo a necessitar cada vez menos de
trabalho vivo, mesmo que qualificado – em serviços pontuais e não garantidos socialmente
(manicure, catador de lixo, vendedor ambulante etc. etc.).
A instituição, em 2005, do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), que organiza o funcionamento da assistência social pública, tendo
em vista materializar a LOAS, ainda que amplie exponencialmente os serviços
destinados à diminuição dos miseráveis – ou transformação de miseráveis em
pobres – não torna possível a execução integral do que está garantido
legalmente. Neste contexto, a Proteção Social
Básica refere-se aos serviços de prevenção e a Proteção Social Especial presta
atenção àqueles cujos direitos já foram violados. Com essa organização, o
assistente social passa a compor equipes multiprofissionais, nos CRAS, CREAS e
Centros POP, que se colocam frente às requisições institucionais por cadastro
de toda população miserável e pobre e inserção daqueles que se encontram nos
critérios delimitados pela política e seu cumprimento das condicionalidades
para continuidade dos benefícios. A municipalização da atenção e criação de
unidades em todo o país, que resultou na ampliação do mercado de trabalho para
os assistentes sociais, vem favorecendo a equalização entre Serviço Social e
assistência social.
2-
O exercício profissional na área da Assistência Social: primeira aproximação.
Na
análise das respostas dos assistentes sociais, utilizaremos porcentagem com
arredondamentos e números, para assegurar a contabilização do conteúdo das
respostas.
Sobre
a Lei de Regulamentação da profissão de Serviço Social, todos os profissionais
afirmaram conhecê-la, o que demonstra que teoricamente os profissionais possuem
a Lei n.8.662 (1993) como referência, ainda que com questionamento. As propostas
de mudanças na lei podem estar revelando que esses profissionais tanto não têm
clareza do que mudariam, como não têm uma avaliação política do que seria
propor mudanças numa conjuntura que está impondo perdas imensas aos
trabalhadores.
Metade
dos profissionais afirma que todas as atividades que realizam estão previstas
na Lei; a outra metade afirma que não. Destaca-se uma contradição a esse
respeito visto que, ao serem perguntados sobre as atividades que realizam, 7 dos entrevistados abordam atividades
que não estão previstas na Lei.
Sobre
as atividades que realizam e que estão previstas na Lei: 3 profissionais não responderam; 7 fizeram referência a atribuições profissionais em geral como: planejar,
organizar e administrar programas e projetos em unidade de serviço social /coordenar,
elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos,
programas e projetos na área de serviço social; treinamento, avaliação e
supervisão direta de estagiários de serviço social; e 6 profissionais fizeram referência a competências
profissionais em geral. Sobre
atividades que realizam e que não estão previstas na lei, 5 ASs não se manifestaram a respeito e 7 fazem referência a atividades diversas como: “não previstas pela
política de assistência social” (2); atividades que “são de outros
profissionais” (2); atividades administrativas, destacando-se o “preenchimento
de cadastros” (2) e 2 dizem que
realizam atividades não previstas, sem especificar. Destacam-se duas respostas
a esse respeito: “não tenho tempo de refletir teoricamente, pela quantidade de
demandas, com isso acabo fazendo atividades que não são atribuições do serviço
social”; “visitas para “vender” curso”, referindo-se aos cursos oferecidos pela
unidade e à necessidade de preencher as vagas disponibilizadas aos usuários e
que tal atividade está ligada ao “sistema de metas”. Aqui destacam-se pelo menos duas questões:
primeiro, a referência à quantidade de demandas e a prioridade dada pelos
assistentes sociais na assistência, como pode ser observado, ao atendimento
individual; e segundo, que o fato de ter de “vender os cursos da unidade”, na
medida em que possibilita a presença do assistente social junto aos usuários em
situações mais favoráveis, ou seja, nos seus espaços de moradia, pode se
constituir num espaço potencialmente favorável para democratização de
informações, ao se abordar os cursos, suas finalidades e objetivos na relação
com a política de assistência social.
Todos
os assistentes sociais consideram importante a delimitação de atribuições
privativas. Para 5, caso não haja
essa delimitação, eles são explorados e vão fazer de tudo na unidade; para 3 essa delimitação garante a profissão
e a caracteriza; para 2 é importante
porque existe uma formação específica e para 2 é importante para haver um norte, para os profissionais saberem
o que fazer. Ou seja, por um lado, a
maioria espera que a lei garanta a existência da própria profissão e os proteja
diante das requisições institucionais, sendo que para 2 a lei pode indicar o
que fazer, o que pode resultar na não necessidade de planejar a inserção
profissional, tendo em vista finalidades e objetivos a alcançar.
Ao
serem perguntados sobre atividades que são realizadas somente pelo assistente
social na unidade, um assistente social respondeu “abordagem de rua”, o que está
previsto na Política Nacional de Assistência Social. A maioria dos assistentes
sociais faz referência a atividades elencadas no âmbito das competências
profissionais, ou seja, não privativas do assistente social, como: III -
encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à
população (9); VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços
Sociais (3); XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de
benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades (2). No domínio das atribuições
privativas, sete assistentes sociais referem-se a (item IV) realizar vistorias,
perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de
Serviço Social e 1 fez referência ao
item VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço
Social, o que reflete a realidade das unidades estudadas que em sua maioria não
conta com estagiários, o que pode denotar a distância dos profissionais com
relação à formação permanente. Afinal, o processo de supervisão pode favorecer
a formação permanente diante da possibilidade de contato com a
universidade/produção de conhecimento. Por outro lado, essa é uma questão que denota
as dificuldades dos assistentes sociais com a Lei de Regulamentação visto que,
no que concerne às atribuições privativas do assistente social (Art. 5º da
Lei), nenhum dos seus XIII itens faz referência aos serviços prestados aos
trabalhadores/usuários, seja nas instituições sócio assistenciais nos
diferentes poderes da República e instâncias de governo, seja na iniciativa
privada (empresas, ONGs etc.).
Sobre
atividades que podem ser desenvolvidas tanto pelo assistente social quanto por
outros profissionais na instituição, todos os profissionais fazem referência a
atividades elencadas como competências profissionais previstas na Lei (Art.4º)
como: III- encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos,
grupos e à população; e V- orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos
sociais no sentido de identificar recursos e fazer uso dos mesmos no
atendimento e na defesa de seus direitos. Três (3) assistentes sociais referem-se ao item VI: planejar, organizar e
administrar benefícios/Serviços Sociais.
Para
7 assistentes sociais, são
atribuições privativas aquelas “atribuições exclusivas do assistente social”;
para 2, são atribuições demandadas e
3 indicaram como atribuições
privativas atividades que realizam como: “atendimento individual, reuniões,
visitas domiciliares, visitas institucionais”. Estas se são atividades historicamente
desenvolvidas por assistentes sociais, não integram o Artigo 5º da Lei. Observa-se
que se a maioria considera atribuições privativas como aquilo que somente o
assistente social pode realizar, por outro lado fica explícito que os mesmos assistentes
sociais consideram atividades comuns a todos os profissionais as mesmas
atividades que dizem ser exclusivas. Por outro lado, são 2 os assistentes
sociais que consideram atribuições privativas “o que é demandado”, podendo aqui
ser incluído tanto o que é requisitado pela instituição como pelo usuário.
A respeito das competências que o AS deve
ter para realizar com qualidade suas atribuições privativas, 8 profissionais indicam a “necessidade
de boa formação”, escrita, escuta e leitura. Entretanto, observa-se nas
respostas que a maioria dos profissionais não participa de congressos científicos,
não realiza leituras relacionadas à profissão e quando leem são
textos/cartilhas relacionados a atividades ou programas que estão executando
naquele momento, ou seja, leituras pontuais. Quatro profissionais consideram
importante “olhar a realidade de forma crítica”, “ter uma boa leitura da mesma”;
dois referem-se à “importância do conhecimento sobre a profissão”, “saber
discernir o papel do assistente social”. Um assistente social considera
importante a “necessidade do sigilo e a neutralidade na hora do atendimento”. São
respostas que revelam o desconhecimento, por parte desses profissionais, da
necessidade de teoria para se fazer Serviço Social. Ou seja, como explicitado
pelo projeto de formação da ABEPSS, a necessidade de referências
ético-políticas seguras, assentadas na teoria necessária para a transformação
dos princípios elencados no Código de Ética do assistente social em objetivos a
serem alcançados no cotidiano profissional. (Ver Vasconcelos, 2015, capítulo 1
e 2).
Quanto
à avaliação das condições de trabalho, que influenciam diretamente o fazer e o
pensar profissional, a maioria dos assistentes sociais (8) considera péssimas. Para 4,
as condições são boas, entretanto, longe do ideal. Na observação de campo, pudemos
perceber que a maioria dos prédios que abrigam CRAS e CREAS são cedidos à
prefeitura ou alugados; são espaços improvisados que não foram projetados para
o desenvolvimento das atividades e também não receberam reformas por parte da
prefeitura/SMAS, visando mudanças que favoreçam a qualificação dos serviços
prestados.
Questionados
se a precariedade do ambiente interfere na rotina de trabalho, 10 dos profissionais responderam que
sim e 2 afirmaram não influenciar. Observa-se
que os profissionais não dispõem de computadores em número suficiente, de
acesso à internet, de espaço para realização de reunião ou outras atividades. Faltam
recursos humanos e até mesmo móveis como mesas e cadeiras, a equipe tendo de
frequentemente improvisar para garantir o mínimo aos usuários, o que certamente
interfere na rotina. Apesar destas questões, observou-se um fatalismo diante dessa
situação e ausência de planejamento tendo em vista definir estratégias e ações
diante das possibilidades, ainda que parcas. Diante
desse quadro, se por um lado 7 profissionais afirmam não ter condições objetivas
para garantir o sigilo dos atendimentos, 5
afirmaram conseguir mantê-lo. A realidade mostra que o sigilo na maioria
das unidades é praticamente inexistente, o que nos leva a considerar que a
opção pelo atendimento através de reunião – deixando as entrevistas somente
para as situações em que o próprio usuário solicite -, talvez fosse uma
estratégia que pudesse, no quadro que se apresenta, uma escolha favorável à
garantia de qualidade nos atendimentos. Mas, uma das questões mais relevantes
observadas na pesquisa é que grande parte dos assistentes sociais não realiza
reuniões com os usuários, mesmo quando são eles que articulam os encontros
coletivos, em grande parte tendo a coordenação delegada a outros profissionais.
Ainda que problemático, não estamos neste momento colocando em questão o
conteúdo das reuniões.
Em
relação ao estresse no trabalho, 10 ASs
se consideram estressados. Para 2, esse quadro não influencia seu nível
de stress. Destacam-se entre as razões
para o alto nível de estresse: a burocratização das atividades; a falta de
condições materiais; as metas impostas aos profissionais sem serem consideradas
as demandas dos usuários. Uma questão relevante é que muitos profissionais
relatam casos de doenças adquiridas/desenvolvidas devido à sua rotina de
trabalho: elevação da pressão arterial, crises de ansiedade etc..
Com
relação ao planejamento da atuação profissional, 10 ASs declaram planejar com agendas, calendários marcados nos
computadores ou celulares e 2
afirmam não realizar nenhum tipo de planejamento ou preparação das atividades
profissionais. Na verdade, o planejamento é entendido como anotações de
horários em agendas e não uma atividade que, envolvendo estudos, pesquisas,
levantamentos, resulte numa atividade profissional pensada, ou seja, atividade
crítica, criativa, propositiva e avaliada nas suas consequências. (Ver
Vasconcelos, 2015, capítulos 1 e 3).
Quanto
aos objetivos institucionais, 4 ASs
fazem referência a programas e abordam o combate à pobreza e a garantia do
acesso a Política de assistência social; 3
afirmam que o objetivo é o “atendimento às famílias em situação vulnerável”, “realizar
a promoção social”, “fazer o acompanhamento do programa de atenção integral a
família (PAIF)” e “prevenir vícios”; 2
referem-se ao “atendimento à população como um todo” e a “famílias e indivíduos
com direitos violados”; 1 a
inscrição no Cadastro Único; 1 “escuta
ao usuário” e “favorecimento do mesmo”; 1
não faz referência a objetivos. Indagados
sobre os objetivos institucionais, observa-se que os profissionais não se
mostraram críticos ao que lhes é solicitado realizar, e, sem fazer referência
aos princípios e objetivos da LOAS, limitam-se a algumas questões apontadas no
site da Prefeitura explicita com relação à política de assistência social do
município[1]. O mesmo acontece a
respeito do que pretendem como assistentes sociais na unidade: 5 respondem que o objetivo é garantir o
acesso dos usuários à política pública e a inclusão produtiva; 4 pretendem realizar um atendimento
humanizado, que respeite as individualidades e faça com que os usuários
participem; 3 têm como objetivo “compreender
demandas não explicitadas” e buscar boas relações entre os profissionais.
Quando
perguntados se seus objetivos são próximos dos objetivos institucionais, a maioria
dos ASs (7) indica alguma
proximidade sinalizando que buscam “dar tom crítico aos objetivos
institucionais” e que a instituição atropela os objetivos profissionais na
medida em que faltam recursos; para 4,
os objetivos são próximos, pois acreditam que “ambos visam a garantia de
direitos e um melhor atendimento aos usuários”. Somente 1 AS afirma não existir proximidades. Observam-se concordância e
priorização dos objetivos institucionais, mas, considerando a direção do
projeto profissional, temos de considerar que as instituições na sociedade
capitalista – ainda que permeadas pela contradição de interesses
capital/trabalho - são criadas tendo em vista favorecer interesses de
acumulação e controle dos trabalhadores e, nesses sentidos, só aparentemente os
objetivos institucionais podem ter proximidade com as necessidades e objetivos
dos trabalhadores na busca por emancipação.
Apesar
de apontarem dificuldades diante de diferentes vínculos empregatícios, intensas
jornadas de trabalho, doenças relacionadas ao estresse, dentre outras coisas,
em meio a péssimas condições de trabalho e estresse, a maioria dos assistentes
sociais (8) entrevistados,
contraditoriamente, consideram-se realizados em seu trabalho; 7 possuem especialização completa, 2 permaneceram com a graduação; 3 iniciaram especialização.
Considerações Finais
Neste espaço exíguo, temos como
objetivo dar início à problematização das questões que a investigação em
andamento tem nos revelado.
Apesar
dos profissionais afirmarem conhecer a Lei de Regulamentação, observa-se no
conjunto das respostas que eles não estão se colocando criticamente diante dela
com vista identificar, dentre as atividades que realizam, as atribuições e as
competências profissionais e as diferenças entre elas. Assim, observa-se profissionais
fragilizados frente aos outros profissionais que compõem a equipe na área da
assistência social e frente aos próprios usuários, não usufruindo da formação
permanente no enfrentamento dos desafios colocados aos assistentes sociais no
cotidiano da prática - metas institucionais, condições de trabalho, falta de
recursos, perfil dos usuários etc. etc. - tendo em vista práticas na direção
dos interesses e necessidades dos trabalhadores/usuários.
Neste
contexto, observa-se que os profissionais equalizam os objetivos profissionais aos
objetivos institucionais; mesmo não possuindo projeto de intervenção – nem do
Serviço Social como um todo, nem projeto pessoal/equipe -, eles afirmam realizar
planejamento, o que revela um desconhecimento do que é uma prática planejada e
avaliada nas suas consequências, o que exige investigação e antecipação da
atividade profissional, individual e coletiva. O fato de a maioria já ter
concluído alguma especialização, relacionado ao que é colocado como obstáculo
no cotidiano profissional por esses assistentes sociais, pode estar indicando que
tanto a bibliografia acessada como os próprios cursos de especialização não
estão tematizando os desafios colocados aos profissionais/equipes, nem as alternativas
contidas no conflituoso e complexo cotidiano institucional/profissional, o que exige
tomar esse cotidiano como objeto de investigação e análise teórico-crítica.
Estudos
realizados no âmbito do Núcleo onde esta pesquisa está sendo realizada têm revelado
questões que podem nos levar a entender esse estado de coisas: uma queixa
recorrente dos assistentes sociais quando retornam à universidade é que os
cursos se dão nos mesmos moldes da graduação, sem conexões e relações
necessárias com a realidade profissional e com o próprio Serviço Social. Neste
contexto, a maioria dos assistentes sociais não realiza uma escolha consciente
do que identifica como “projeto ético político do Serviço Social brasileiro”,
fazendo referência a ele como uma coisa imposta porque consta no Código de
Ética ou como uma coisa utópica, sem possibilidade de realização no cotidiano
profissional, ou como se ao escolher alguns dos princípios do Código o
assistente sociail estivesse mecanicamente favorecendo os trabalhadores. Como
afirma Vasconcelos (2015, 1.4), os onze princípios do Código só garantem uma
direção social que favoreça os trabalhadores apreendidos como “totalidade
orgânica”, com pena de, apreendidos sem unidade entre eles, remeter os
assistentes sociais a uma direção social reformista – na busca de humanização
do capitalismo, por exemplo. Para a autora,
O que está em questão
é que, se não podemos como
assalariados que somos escolher nem nossa inserção profissional, nem os
recursos necessários à operacionalização das nossas atividades e ações,
podemos, a partir da legitimidade que temos na ocupação desse espaço profissional,
fazermos opções e escolhas, ao longo da atuação profissional. Processo que,
tendo em vista processos emancipatórios, exige planejamento e avaliação das
consequências da atividade profissional, o que significa prática mediada por
teoria, acumulação de forças, persistência, estabelecimento de relações com
outros espaços e sujeitos, individuais e coletivos, poderosamente mobilizados
e organizados, tendo em vista fortalecer e multiplicar as consequências das
nossas ações favoráveis aos trabalhadores (p.103).
É
neste contexto que a sistematização da experiência coletiva dos assistentes
sociais e elaboração teórica dela com vistas à orientação e condução de um
exercício profissional mediado pelo projeto sempre se colocou como essencial e
torna-se, hoje em dia, crucial na manutenção da sua hegemonia na categoria dos
assistentes sociais.
Bibliografia:
ABEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso
de Serviço Social. Caderno ABEPSS nº 7, São Paulo: Cortez, 1997.
CFESS.
Código de Ética do assistente social e Lei nº 8662/93, que regulamenta a
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[1]
Objetivos
institucionais, ver http://www.rio.rj.gov.br/web/smds/exibeconteudo?id=2813679. Consulta em maio de
2015.
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