sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

2º Trabalho aprovado no ENPESS ( Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social)

SERVIÇO SOCIAL, PROJETO PROFISSIONAL E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO.
Revistas científicas da área
                          

RESUMO
Uma atuação dos assistentes sociais voltada aos interesses históricos dos trabalhadores exige segurança de princípios éticos e suporte teórico que ilumine uma análise social crítica e problematize o cotidiano da prática dos assistentes sociais na busca de referenciar e democratizar práticas mediadas pelo projeto profissional. No entanto, observa-se uma insuficiente e frágil produção de conhecimento na área de Serviço Social que aborde a profissão e o projeto profissional. Quando isso ocorre, as mediações com a profissão têm caráter analítico com ausência de proposições.

PALAVRAS CHAVE
Serviço Social, projeto profissional, emancipação, produção de conhecimento, formação.
ABSTRACT:
A social worker practice dedicated to the historical interests of workers requires security of ethical principles and theoretical support to illuminate a social-critical analysis and problematize the everyday practice of social workers in search of reference and democratize practices mediated by the professional project. However, there are insufficient and fragile production of knowledge in the Social Work that broach the profession and professional project. When it occurs, the mediations with the Social Work have analytical character with absence of propositions.
KEYWORDS:
Social Work, professional project, emancipation, production of knowledge, training.





Introdução    
            Na análise da produção de conhecimento do Serviço Social, presente nas revistas científicas da área, nos últimos 5 anos, buscamos apreender se a categoria dos assistentes sociais pode contar com produções que, para além das temáticas essenciais à formação ético-política e teórico-metodológica, estabeleçam mediações com a profissão e com o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, tendo em vista estruturar a busca de práticas medidas por ele. Um projeto que, apreendido na sua radicalidade, é parte e expressão de um proejto de sociedade anticapitalista,que busca favorecer os diferentes segmentos da classe trabalhadora na busca pela emancipação humana.
Estudos desenvolvidos no NEEPSS/FSS-UERJ, tendo como objeto os trabalhos publicados nos Anais dos principais eventos científicos do Serviço Social (ENPESS/CBAS) (Baltar, 2012; Vasconcelos e outros, 2013), mostram uma insuficiente abordagem da profissão e do projeto profissional e, quando ela acontece, é uma abordagem analítica com escassas abordagens também propositivas. A maioria dos assistentes sociais (oriendos da academia) não tematiza a profissão e a prática profissional, nem faz mediações com o Serviço Social e, desse modo, não estabelece as mediações necessárias com o Serviço Social, tendo em vista contribuir na estruturação de práticas mediadas pelo projeto profissional, o que dificulta que assistentes sociais e estudantes possam tê-las como referência para pensar e agir criticamente no cotidiano profissional.
Tendo em vista aprofundar nossos estudos, tomamos como objeto a produção de conhecimento da área de Serviço Social presente em teses (Baltar, 2015) e revistas científicas da área, buscando compreender como a produção de conhecimento da área de Serviço Social tem contribuído com o conhecimento, com a profissão, com o projeto ético-político e com o exercício profissional. Neste trabalho, apresentamos de forma sintética os principais achados dos estudos dos artigos publicados em três revistas científicas, realizados através de TCCs: Revista Temporalis (RODRIGUES, 2015), organizada pela ABEPSS, Revista Serviço Social & Sociedade (ALBUQUERQUE, 2015) e Revista Em Pauta da FSS/UERJ (NERI, 2015).
            Resaltamos, a seguir, sinteticamente, a importância da produção e democratização do conhecimento para a humanidade, para o Serviço Social e para o projeto profissional seguida da apresentação de alguns dos achados da investigação. Devido às exigências colocadas a este trabalho, não temos condições, aqui, de aprofundamento das questões abordadas.  

1 - Produção de conhecimento, universidade, Serviço Social e projeto profissional
            Como podemos apreender em Marx/Engels e Lukács, a partir de sua capacidade teleológica de planejar previamente em sua mente aquilo que deseja alcançar/criar, o homem é capaz de desenvolver novos conhecimentos. O sujeito precisa, além de idealizar o objeto antes de construí-lo, conhecer as condições objetivas sobre aquilo em que atua.
O conhecimento, sob a forma de um saber, inicia-se por intermédio da relação entre homem e natureza, ou seja, através do trabalho que, como atividade coletiva, permite sua democratização/ampliação. Ou seja, a partir das experiências durante sua vida, em busca de sobrevivência, por meio da concretização de suas objetivações, os homens têm a possibilidade de criar algo que até então não havia sido pensado. Podemos afirmar,assim, que o conhecimento é oriundo do trabalho e, não sem razão, “para Marx, uma expressão de nosso ser individual é também uma realização de nosso ser genérico” (Eagleton, 1999, p.50). Todo saber desenvolvido por um ser humano, a partir do momento que é partilhado com/por seus iguais, não pertence apenas a ele, mas a todos aqueles que usufruem de tal descoberta.
Quando o conhecimento criado na imediaticidade do trabalho se torna genérico, torna-se patrimônio da humanidade. A linguagem articulada, uma das particularidades do ser social[1], foi fundamental para que os indivíduos expressassem as suas representações sobre o mundo e tudo que o cerca. Foi a partir dela que novos conhecimentos puderam ser transmitidos, um processo que se desenvolve com base na comunicação que se estabelece através da relação entre os indivíduos. O caráter coletivo da atividade do trabalho é denominado social.
            Em suma, o trabalho, como atividade pensada, planejada, é a atividade fundante do ser social; atividade que resulta para o indivíduo e para a humanidade em conhecimento a partir da relação homem/natureza, em que o ser humano transforma a natureza para suprir suas necessidades. Atividade que exige pensar no que quer fazer, para o que quer fazer, qual o objetivo da ação, a partir de um processo de idealização do objeto que resulta numa atividade teleologicamente orientada que, no processo de humanização, traz como consequência, através de mediações cada vez mais complexas, o surgimento das inúmeras outras dimensões/obejtivações da atividade humana:  o pensamento religioso, a filosofia, a ciência, a arte, a economia, a política, o direito etc.
            A apropriação do conhecimento socialmente produzido se dá pela educação, que é uma relação entre homens, diferente do trabalho, que é uma relação entre homem e natureza. A Universidade, sustentada direta ou indiretamente nas sociedades modernas pelo fundo público, é uma instituição que tem um papel fundamental na formação de profissionais e democratização do conhecimento conservado/recuperado, mas, antes de tudo, um papel fundamental na produção do conhecimento necessário às respostas que, individual e coletivamente, necessitamos, tendo em vista garantir as condições necessárias à reprodução da espécie humana e conservação da natureza da qual dependemos. Assim, a universidade é um espaço privilegiado de manutenção da indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, que, por princípio, deveria formar cidadãos críticos responsáveis pela divulgação, democratização e produção do conhecimento socialmente necessário e referenciado.
A universidade brasileira surge no contexto do processo de industrialização no país – por volta de 1909 – tendo como objetivos formar a classe dominante burguesa e seus filhos para administrar a riqueza produzida socialmente e estimular o processo de produção de mercadorias sendo que a formação de trabalhadores do segmento operário se realiza de forma a serem adestrados para agirem dentro dos imperativos de comando do capital sobre o mercado de trabalho. Desse modo, a emergência da universidade no Brasil responde aos interesses do capitalismo emergente, não se constituindo num movimento neutro, direção social que vem impactando a instituição até os dias de hoje, diante das necessidades da burguesia/capital de garantir a reprodução das relações sociais que interessam ao desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista.
Mas, como afirma Chaui (2003), “A universidade é uma instituição social e como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo”. Desse modo, no seu interior convivem opiniões, atitudes e projetos conflitantes que expressam as divisões e contradições da sociedade, contexto conflituoso que influencia a produção e democratização do conhecimento e a formação de profissionais.
            A partir da década de 1960, impulsionado pela efervescência política da época e pelos movimentos sociais e da classe trabalhadora, tem início o Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano, que expressava uma crítica ao Serviço Social Tradicional. Criticava-se a equalização do Serviço Social à ajuda/caridade, sua base teórica ligada à Igreja Católica e ao funcionalismo, o caráter de executores terminal das políticas e a falta de criticidade da/na profissão. Esse movimento deu abertura para mudanças no Serviço Social em toda América Latina e no Brasil; movimento que, mesmo não sendo homogêneo, nem entre os países, nem dentro de cada país, visto que nem toda a categoria profissional concordava com as questões colocadas, sem dúvida, foi de grande importância para transformações no seio da profissão.
            No Brasil, que se encontrava, desde 1964, sob o comando de uma ditadura civil/militar (ver Netto, 2014), parte expressiva dos assistentes sociais, submetida a forte repressão vivida em todo o país, recorria à literatura latino-americana da área e áreas afins. Desse modo, o movimento latino-americano influenciou profundamente assistentes sociais brasileiros de dentro e fora da academia e, entre 1970-1980, em âmbito nacional, emerge o Movimento de Renovação do Serviço Social brasileiro (Netto, 2011).
É a partir da vertente crítica desse Movimento, denominada intenção de ruptura, que os profissionais que acreditavam no caráter político e social de uma profissão vinculada à realidade social capitalista, passaram a se apropriar de autores que estudavam tal realidade de forma crítica. O Serviço Social se aproxima do marxismo e da Teoria Social de Marx, gradativamente se aproximando das produções originais e seminais.
            Com o fim da ditadura miliar, um movimento que articulou assistentes sociais que atuavam diretamente com os trabalhadores/usuários, no planejamento e gestão de serviços, assistentes sociais da academia, assistentes sociais que ocupavam os organismos de representação da categoria e discentes, resultou, no início dos anos 90, no que hoje denomina-se projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro.
             O movimento que resulta e mantém vivo o projeto, em aliança com segmentos organizados da classe trabalhadora e com os movimentos que deram o grito de liberdade ao derrotarem a ditadura, que processou e processa a organização política da própria categoria e que mantém hegemonia com relação às referências para a formação acadêmico-profissional, exigiu e exige a interlocução com a Teoria Social crítica. Neste contexto: a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) propõe, num primeiro momento, um Currículo Mínimo para a formação do intelectual, radicalmente crítico, criativo e propositivo, necessário a práticas que possam favorecer os interesses históricos dos trabalhadores (Ver Revista Serviço Social e Sociedade nº 14, 1984), que tem sua expressão final nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1993[2]; a categoria num poderoso movimento de debate e reflexões modifica a Lei de Regulamentação (1993) e o Código de Ética do assistente social (em 1986 e em 1993); parte da intelectualidade do Serviço Social brasileiro, a partir de uma produção de conhecimento de cariz teórico-metodológico crítico, vem estabelecendo uma interlocução fecunda com intelectuais de áreas afins não capturados pelo pensamento pós-moderno; o conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS/ENESSO articula a organização política da categoria no país.
Na perspectiva do proejto é que a produção de conhecimento dentro e fora do Serviço Social foi e é fundamental para o avanço da profissão, tendo em vista uma materialização do projeto profissional que resulte em contribuições para os trabalhadores nos seus processos de formação, mobilização e organização.
É nesse sentido que a produção de conhecimento da área de Serviço Social, favorecendo não só a formação dos sujeitos profissionais, mas iluminando o cotidiano profissional – o que só é possível a partir das mediações necessárias com a profissão e da análise concreta de situações concretas – torna-se estratégica e fundamental. [...]. Diante disso, os desafios maiores dos assistentes sociais que escolhem o projeto ético-político como referência não estão determinados ad eternum pela qualidade da formação graduada – onde predomina o ensino privado e à distância, apartados das Diretrizes Curriculares da ABEPSS -, mas nas possibilidades existentes e a serem construídas individual e coletivamente, de estruturar uma formação permanente qualificada – ou seja, formação de um intelectual – para planejar e executar estratégias e ações necessárias àquela contribuição (Vasconcelos, 2015, p.204).
A questão que se coloca é qual a contribuição que a produção de conhecimento da área tem dado na busca de práticas mediadas pelo projeto, quando já temos conhecimento de que as pesquisa da área não tomam como objeto de investigação sistemática o cotidiano dos assistentes sociais brasileiros, na formação e na atividade sócio assistencial. (Ver Iamamoto, 2007, cap.4) Frente a isso, torna-se necessário, antes de mais nada, qualificarmos a presença do Serviço Social e do projeto profissional nos veículos de democratização da produção de conhecimento da área (revistas científicas, teses e dissertações, Anais de Congresso, livros, coletâneas etc.).           
            Ressaltamos aqui que uma produção de conhecimento na perspectiva crítica não é necessária a qualquer projeto profissional, mas, como podemos apreender em Vasconcelos (2015, cap.1), ao projeto que se reivindica articulado a um projeto de sociedade anticapitalista em busca da emancipação humana. Diante das exigências e desafios colocados aos assistentes sociais que escolhem conscientemente essa direção social, afirma a autora,
O projeto profissional não veio para colocar os assistentes sociais dando “murro em ponta de faca”. Ao revelar as condições e conteúdos necessários para que os assistentes sociais compreendam o “significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio histórico, nos cenários internacional e nacional” e sejam capazes de desvelar “as possibilidades contidas na realidade”, como consta das Diretrizes Curriculares da ABEPSS e dos Núcleos de Fundamentação, o projeto profissional, enquanto referência, sinaliza as condições necessárias para que os assistentes sociais, para além das requisições institucionais, mas não independente delas, possam identificar o necessário – no que se refere às dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas – tendo em vista favorecer mais o trabalho do que o capital. (Vasconcelos, 2015)

2 - A produção de conhecimento nas revistas científicas da área de Serviço Social
A base de dados objeto da presente análise - 3 revistas científicas, 46 edições com 426 artigos - é originária do aprofundamento da investigação realizada no NEEPSS sobre o exercício profissional dos assistentes sociais em diferentes áreas temáticas, o que resultou em três Trabalhos de Conclusão de Curso que tematizaram a produção de conhecimento da área de Serviço Social, a partir de um Eixo de Análise elaborado pela coordenadora, tendo em vista apreender o conteúdo e a direção social de cada produção. As revistas científicas analisadas foram: Serviço Social e Sociedade – 59 artigos, publicados entre 2010-2014, em 20 revistas; Revista Temporalis, organizada pela ABEPSS - 106 artigos, publicados no período de 2010 a 2015, em 10 revistas; Revista Em Pauta/FSS/UERJ - 161 artigos, publicados no período de 2007 a 2014, em 16 revistas.
Buscamos identificar contribuições para se pensar e fazer Serviço Social na direção do projeto profissional e, como consta do Eixo de Análise (Vasconcelos, 2013), não se reivindica a relação de toda a produção da área de Serviço Social com a profissão e/ou com o exercício profissional, nem com o projeto profissional. A questão central é identificar se os assistentes sociais brasileiros têm disponível uma produção de conhecimento qualificada, que aborde questões relacionadas ao exercício profissional, frente às referências ético-políticas e teórico-metodológicas que orientam o projeto profissional, para além da produção que fundamente a formação graduada e permanete de um profissional generalista e crítico. Ressaltamos assim, que a maioria dos trabalhos que não promove mediações com a profissão apresenta riqueza teórica ao abordar temas relevantes para o Serviço Social.
Tendo em vista distinguir os artigos que fazem ou não relação com a profissão, num primeiro momento, foram consultados os títulos, os resumos e as palavras-chave, buscando identificar qualquer palavra/noção/conceito que possa sugerir essa relação. Assim, na presença de “Serviço Social”, “assistente social”, “projeto ético-político” e/ou “projeto profissional”, “prática profissional”, o artigo foi selecionado. Na ausência desses indicadores e em casos de dúvida, foi realizada a leitura da introdução, das considerações finais e/ou de alguns itens tendo em vista identificar ou não algo que fizesse relação com a profissão, partindo do pressuposto de que se o artigo cita termos relacionados à profissão no mesmo temos a possibilidade de encontrar mediações com a profissão/projeto/cotidiano profissional.
            Cada uma das variáveis analisadas, enriquecidas com categorias indicadas pelo próprio processo de reconstrução empírica do objeto, foi alimentada a partir do processo de leitura dos artigos indicado acima e sistematizadas.[3]
            Quanto à articulação dos artigos com o Serviço Social: Revista Em Pauta, 20% dos artigos fazem alguma referência ao Serviço Social; Revista Serviço Social e Sociedade, 47% e Revista Temporalis/ABEPSS, 61%. Ou seja, no computo geral dos 426 artigos, a maioria não chega a mencionar o Serviço Social. Considerando que a produção de conhecimento da área pode fortalecer a democratização do conhecimento necessário a práticas profissionais críticas, propositas e criativas, a partir da divulgação de resultados de pesquisas/estudos, relatos de experiência etc.; pode favorecer que os profissionais apreendam as contradições do real e realizem as mediações necessárias para apreensão crítica da realidade social trabalhada, tendo em vista a superação de ações fragmentadas, baseadas no senso comum, é relevante que duas das principais revistas da área têm mais da metade dos artigos sequer mecionam a profissão. Por outro lado, há que se destacar que a revista Temporalis da ABEPSS, com 39% de artigos que não citam o Serviço Social. é uma importante revista de um dos organismos de representação da categoria, voltado para a formação. 
            Quanto ao vínculo dos autores: Revista Em Pauta, 88% dos autores são vinculados à Academia; destes, 71% não citam o Serviço Social e 17% restantes citam; 2% dos autores pertencem aos Serviços, sendo que nenhum deles cita o Serviço Social; 10% dos autores atuam na Academia e nos Serviços, 3% fazem referência à profissão; Revista Serviço Social e Sociedade, 75% dos autores são vinculados à Academia e, destes, 33% citam e 42% não citam o Serviço Social; 3% são da área de Serviços - 2% não citam o Serviço Social e 1% cita; 22% são do Serviço/Academia, sendo que 10% não citam o serviço social e 12% citam; Revista Temporalis, 89% dos autores estão na Academia - 35% não citam o Serviço Social e 54% citam; 2% da área de Serviços, todos citam o Serviço Social; 10% oriundos do Serviço/Academia - 4% não citam o Serviço Social e 6% citam. 
Observa-se, o que também foi identificado na análise dos trabalhos publicados nos Anais do CBAS/ENPESS, que a maioria dos artigos analisados é de autores vinculados à Academia. Dado relevante, visto que produções advindas da Academia, certamente fruto de estudos e pesquisas, são fundamentais para o enriquecimento científico de docentes, alunos e profissionais que atuam diariamente junto à população. Seus autores encontram-se em espaços privilegiados de produção de conhecimento – principalmente no que se refere à universidade pública –, quando os autores podem contribuir para resgatar a unidade teoria-prática e problematizar caminhos para atuação profissional, na direção do projeto profissional. Mas, considerando a totalidade de artigos oriundos da Academia, observa-se também que a maioria dos autores não realiza mediações com a profissão.
O número reduzido de artigos de autores vinculados aos serviços pode significar ou que poucos assistentes sociais estão produzindo ou que não estão conseguindo aprovação nas revistas para a publicação de seus artigos, o que não foi possível e seria difícil identificar. Mas o que se observou é que os assistentes sociais que estão trabalhando diretamente com os trabalhadores/usuários priorizam temas gerais – idoso, adolescente, questões de gênero, raça, etnia, por exemplo - e não estão abordando questões relevantes e desafiadoras presentes no cotidiano da prática, o que, também, se expressa na reduzida presença entre os artigos de relatos/democratização de experiências profissionais, analisadas tendo em vista apreender e democratizar seus limites, possibilidades, consequências.
            Quanto à titulação dos autores: Revista Em Pauta: 5% têm graduação, 2% especialização, 36% mestrado, 46% doutorado e 11% pós-doutorado; Revista Serviço Social e Sociedade: 2% têm graduação, 1% especialização, 24% mestrado e 72% doutorado; Revista Temporalis: 4% têm graduação; 1% especialização, 46% mestrado, 49% doutorado. A maioria dos autores tem doutorado/pós-doutorado e está vinculada à Academia, espaço privilegiado de produção de conhecimento, dispondo de condições mais favoráveis para o desvendamento do complexo cotidiano institucional/profissional. Assim, é de onde a categoria pode esperar uma produção de um conhecimento qualificada tendo em vista o enfrentamento dos desafios colocados aos assistentes sociais pelo projeto/cotidiano profissional.
            É diante disso que torna-se necessário abordar com mais profundidade os artigos que fazem alguma mediação com o Serviço Social. Para Vasconcelos (2014), mediação explicita é aquele artigo que em algum momento faz menção à profissão e/ou aos profissionais e mediação implícita é aquela que o autor não menciona o Serviço Social/ projeto profissional, mas na análise dos temas evidencia-se uma articulação com a profissão. Em todas as 3 revistas, em meio a uma maioria que não cita a profissão, é favorável que todos os artigos que fazem alguma mediação com o Serviço Social o fazem de forma explícita. Este dado revela uma realidade diferente da observada na análise dos trabalhos publicados nos Anais do CBAS/ENPESS, onde a maioria realiza mediações de forma implícita.
            Como consta do Eixo de Análise, os artigos em que os autores além de mencionarem o Serviço Social e/ou projeto de profissional, anunciam a relevância da temática/produção para a profissão, mas sem que deixem claro o teor dessa relevância, são caracterizados como relação abstrata. Os artigos em que os autores realizam mediações com o Serviço Social e/ou projeto profissional, revelando, de forma coerente e articulada, o porquê da importância do tema para a profissão e/ou o porquê da importância dos assistentes sociais acessarem/disscutirem tais conhecimentos, informações, instrumentos, são caracterizados como relação substantiva. No caso de mediações com o projeto profissional, de forma coerente e articulada, ficam explicitados finalidades e/ou princípios do projeto.
            Na Revista Em Pauta, dos 20% de artigos que citam o Serviço Social, 9% são caracterizados como relação substantiva e 11% abstrata. Na Revista Serviço Social e Sociedade, dos 47% que citam o Serviço Social, 43% fazem uma relação substantiva e 4% realizam uma relação abstrata. Na revista Temporalis, dos 61% que citam o Serviço Social, 48% fazem relação substantiva e13% abstrata. Ou seja, à maioria de artigos que não cita o Serviço Social, podemos agregar, ainda, os artigos que estabelecem uma relação abstrata com a profissão, na medida em que não possibilitam mediações claras com o Serviço Social mesmo quando se referem a ela. 
            Quanto à relação dos artigos com o projeto ético-político da profissão, conideando a totalidade dos artigos: Revista Em Pauta, 80% não citam o Serviço Social; 10% não citam o projeto; 2% realizam mediações implícitas com o projeto (comungam com a direção social do projeto) e 8% fazem mediações explícitas, ou seja, abordam o projeto profissional no contexto da temática desenvolvida; Revista Serviço Social e Sociedade, 53% não se referem à profissão; 8% não citam o projeto ético-político, 9% realizam mediações implícitas e 30% mediações explícitas. Revista Temporalis, 39% não citam o Serviço Social, 5% não citam o projeto, 15% fazem mediações implícitas e 42% realizam mediações explícitas. Se considerarmos que grande parte dos artigos que não cita o Serviço Social ou o projeto ético-político da profissão contém indicadores que os coloca na sua direção social, como pode ser observado, e que são poucos os artigos que não fazem referência ao projeto, podemos afirmar, ainda que sem uma análise profunda dessa referência, que a maioria da produção das revistas científicas da área está em consonância com uma direção social que favorece a luta dos trabalhadores por emancipação humana. No mais, é a Revista Temporalis que se destaca com uma expressiva produção na direção do projeto profissional. Ressaltamos, porém, que uma coisa é uma defesa abstrata do projeto – nomeando-se princípios de forma fragmentada e/ou simplesmente anunciando ter o projeto como referência – e outra é uma escolha consciente do mesmo, tendo em vista práticas mediadas por ele, ao se enfrentar suas exigências com relação à segurança dos princípios ético-políticos e das referências teórico-metodológicas necessárias à sua transformação em realidade.
            Com relação às mediações substantivas/abstratas dos artigos com o projeto ético-político do Serviço Social: na Revista Em Pauta, do total de 20% de artigos que citam o Serviço Social, 10% não citam o projeto, 1% faz referência a ele de forma abstrata e 9% de forma substantiva. Na Revista Serviço Social e Sociedade, dos 39% que fazem referência ao projeto, 6% fazem de forma abstrata e 33% de forma substantiva. Na Revista Temporalis, do total de 57% que fazem referência ao projeto, 25% o fazem de forma abstrata e 31% de forma substantiva. Para além dos autores que não fazem referência ao Serviço Social e ao projeto profissional, o que se destaca é que quase metade dos autores que se referem ao projeto o fazem de forma abstrata, ou seja, uma referência proforma. É assim que observamos, em artigos que citam o Serviço Social e o projeto de forma abstrata, na introdução ou na conclusão, por exemplo, o autor dizer: “esse tema é importante para o Serviço Social”; parto do projeto do Serviço Social”.  Ou seja, a referência, principalmente ao projeto, é quase uma obrigação, mas não uma escolha consciente, na medida em que nada no desenvolvimento do texto justifica aquela referência .
            Como consta do Eixo de Análise, consideramos como eclético o artigo em que o autor reproduz referências teórico-metodológicas e ético-políticas que apresentam contradições indissolúveis, sem considerar as contradições entre elas. Como pluralista, consideramos o artigo em que o autor se apropria conscientemente e sem contradições profundas de referencial teórico-metodológico e ético-político, a partir da compreensão de que qualquer estudo que aborde a realidade social pode contribuir para a apreensão do movimento do real, tendo respeitada a direção social escolhida; o que significa que o autor, ao citar autores que no limite se confrontam com sua direção social, deixa clara a sua posição frente ao autor citado.  
            Na Revista Em Pauta, observamos que 80% dos artigos não faz mediação com o Serviço Social, 10% não citam o projeto, 9% são pluralistas e 1% é eclético. Na Revista Serviço Social e Sociedade, 53% não fazem relação com o Serviço Social, 8% não citam o projeto, 35% são pluralistas e 4% são ecléticos. Na Revista Temporalis, 39% não citam o Serviço Social, 5% não citam o projeto, 45% são pluralistas e 11% são ecléticos. O que podemos observar é que os autores que fazem referência ao Serviço Social e ao projeto profissional, em sua maioria, estabelecem uma relação substantiva tanto com o Serviço Social como com o projeto, assim como, em sua maioria, tendem a ser pluralistas, ou seja, se apropriam conscientemente e sem contradições profundas do referencial teórico metodológico e ético político expresso no projeto ético-político. Lembramos que a maioria dos autores está vinculada à Academia (doutores, pós-doutores, mestres etc.) e, certamente, realizando estudos e pesquisas, em processo de formação permanente. Observa-se que a revista que apresenta um percentual maior de artigos ecléticos é justamente a revista editada pela ABEPSS. Por fim, abordamos as características dos artigos com relação ao conteúdo.
Tabela 1 – Artigos das Revistas científicas da área de Serviço Social - Em Pauta, Serviço Social& Sociedade, Temporális-: características com relação ao conteúdo
Características do artigo
EM PAUTA
Serviço Social & Sociedade
Temporalis
Analítico
5%
17%
22%
Analítico/propositivo
5%
15%
9%
Relato histórico/analítico/propositivo
4%
1%
2%
Relato histórico
2%
-
-
Relato de experiência/analítico
-
-
5%
Relato de experiência/analítico/propositivo
1%
1%
6%
Resultado de pesquisa
1%
-
-
Resultado de pesquisa/analítico
-
5%
7%
Resultado de pesquisa/analítico/propositivo
2%
8%
5%
Projeto de pesquisa/analítico
-
-
6%
Projeto de atuação resultados/analítico
-
-
1%
Não cita o Serviço Social
80%
53%
39%
Total
100%
100%
100%
Fonte. Vasconcelos, A.M. NEEPSS/FSS/UERJ, 2016.
           
Esta tabela revela, dentre muitas coisas, mas antes de tudo, que em três das mais importantes revistas cientificas da área o Serviço Social não está presente como objeto de atenção e que os artigos em que Serviço Social é objeto de atenção são, na sua maioria, analíticos, ou seja, são artigos que realizam somente a análise do tema escolhido, podendo ser um estudo/revisão bibliográfica ou a discussão teórica de um tema. A revista Serviço Social&Sociedade se destaca com 15% de artigos analítico/ propositivos, ou seja, artigos que além de abordagem teórica, o autor ressalta a relevância da produção para a área de Serviço Social, com apresentação de proposições frente ao que foi realizado pelo assistente social, seja de forma a democratizar experiências exitosas/contraditórias, seja para sugerir caminhos/alternativas e indicar possibilidades para a atuação profissional.  
Observa-se que quando o comitê editorial da revista insere o Serviço Social como temática da edição, é maior a presença de artigos que realizam mediações com a profissão.

Considerações Finais        
Este trabalho sintetiza estudos do NEEPSS sobre a produção de conhecimento da área. Ao analisarmos revistas científicas importantes para o Serviço Social, podemos observar que a produção de conhecimento que referencia a formação e a prática dos profissionais, apesar de sintonizada com a direção social do projeto profissional, vem revelando uma insuficiente abordagem da profissão e quando ela acontece é uma abordagem analítica em detrimento de uma abordagem também propositiva. Assim, reafirmamos o que vem sendo apreendido nas investigações: a produção de conhecimento da área de Serviço Social, em sua maioria, não aborda a profissão, o projeto e nem o cotidiano profissional e quando o faz, não prioriza abordagens que favoreçam a estruturação de práticas mediadas pelo projeto profissional – ou seja, práticas que favoreçam a luta dos trabalhadores e trabalhadoras por emancipação humana. A questão não é reivindicar que toda produção faça mediações com o Serviço Social, mas ressaltar a preocupação que surge quando a produção já analisada revela uma escassa e débil presença de trabalhos que referencie os assistentes sociais tendo em vista consolidar ações mediadas pelo projeto profissional.
Bibliografia
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BALTAR, Juliana Ferreira. Serviço Social, Projeto Ético Político e Produção de Conhecimento: o 13º CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais): uma análise comparativa entre os dois últimos CBAS. Trabalho de Conclusão de Curso. NEEPSS/Faculdade de Serviço Social da universidade do estado do rio de janeiro, 2012.
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[1] Como mostram Netto e Braz (2006, p. 41) o ser social se particulariza porque é capaz de: ”realizar atividades teleologicamente orientadas; objetivar-se material e idealmente; comunicar-se e expressar-se pela linguagem articulada; tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo, consciente e autoconsciente; escolher entre alternativas concretas; universalizar-se e socializar-se”.
[2] Como muitas das questões colocadas aqui, para referenciar a leitura dos dados empíricos, não temos condições de aprofundar a convivência conflituosa entre as Diretrizes Curriculares da ABEPSS e as Diretrizes Curriculares do MEC que, esvaziadas de conteúdos e de direção social, veem favorecendo a mercantilização e massificação da formação dos assistentes sociais brasileiros através da inciativa privada – seja presencial, seja à distância.   
[3] Utilizamos, na identificação do percentual, o software Microsoft Office Excel 2010, com fórmula matemática específica como base estatística para os artigos, desta forma, trabalhamos dentro da margem de erro de 3% a 5%, com os números inteiros.

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